quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A crescente irrelevância da ciência brasileira? Artigo de Jacques Wainer


JC e-mail 4577, de 05 de Setembro de 2012.
A crescente irrelevância da ciência brasileira? Artigo de Jacques Wainer


Jacques Wainer é professor titular do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Artigo enviado ao JC Email pelo autor.

Recentemente, houve uma grande divulgação do aumento no número de publicações de brasileiros em revistas indexadas pela Web of Science. Em 12/05/2009 o então ministro da educação apresentou durante uma seção conjunta da SBPC-ABC dados que mostrava que o Brasil tinha alcançado a 13ª posição no ranking dos países com maior produção indexada no Web of Science [1]. Uma análise posterior mostrou que grande parte do crescimento da produção brasileira era devido ao crescimento do número de revistas nacionais indexadas pelo Web of Science [2]. Mas parece inegável que a produção brasileira de artigos científicos está numa trajetória crescente, embora não a taxa de 50% como foi anunciado.

Mas produção de artigos científicos, mesmo artigos em revistas indexadas pelo Web of Science é a métrica errada para medir a qualidade da ciência brasileira. Uma métrica mais apropriada é o impacto, medido, por exemplo, pelo número de citações recebidas. Scimago [3] é um site que usa dados da Scopus e mostra gratuitamente dados como citações, produção, etc agregados por países ou por revistas. Em particular, a entrada "Country search" permite visualizar vários dados de cada país em separado, enquanto que a entrada "Country ranking" permite comparar todos os países entre si.

Em 1996, isto é, para artigos publicados em 1996, o Brasil ocupa a 28ª posição de 49 países (países com mais de 1000 publicações por ano) no ranking ordenado por citações recebidas por artigo. Com 13.5 citações por artigo, o Brasil está acima do México, África do Sul, Argentina, Taiwan, e Coreia do Sul. Em 2010 o Brasil ocupa a 51ª posição de 72 países, abaixo do México (42ª posição), África do Sul (26ª posição), Argentina (30ª posição), Taiwan (41ª posição) e Coreia do Sul (37ª posição). Ou seja, o Brasil tem sistematicamente perdido sua posição no ranking de países ordenados por citações recebidas por artigo publicado. Em 2003 o Brasil só estava acima do México, dentre os países listados acima. Eu convido o leitor a acessar a versão longa deste artigo [4], que mostra a evolução do Brasil no ranking de forma gráfica. A versão longa também contém outros gráficos e análises mais detalhadas.

Talvez, países como a Argentina, México, etc tenham mais citações por artigo porque pesquisadores destes países têm uma maior tradição de citar trabalhos do próprio país, e "todo mundo sabe" que "brasileiro não cita brasileiro". Isto poderia explicar as diferenças em citações por artigo? Scimago também disponibiliza dados sobre autocitações. Curiosamente, em 1996 o Brasil é o 14º país (de 49) no ranking de autocitações por documentos, acima da Argentina (20ª posição), África do Sul (27ª), Coreia do Sul (34ª), México (25ª) e Taiwan (30ª). E o Brasil se mantém nesta posição até 2006. Em 2010, o Brasil está na 39ª posição (de 72), acima apenas do México (52ª).

Só a partir de 2006 é que "brasileiros deixaram de citar brasileiros" e até lá a taxa de autocitações brasileiras era consideravelmente alta. Se retirarmos as autocitações do total de citações recebidas obtemos algo como citações externas (de artigos que não envolve pesquisadores dos respectivos países). Devido a alta taxa de autocitações do Brasil no início do período, a ordem se inverte e os países que estavam logo abaixo do Brasil, estão logo acima. Mas mesmo assim trajetória descendente do Brasil no ranking é clara: 33ª posição de 49 em 1996 para 53ª de 72 em 2010.

Um pequeno consolo é que a China (CN), o fenômeno científico mais recente, e a Rússia (RU), e a Índia (IN), estão consistentemente abaixo do Brasil em citações por artigos, em todos os anos. Vou dar por encerada esta seção deste artigo onde tento convencer o leitor que o fenômeno é real, que artigos publicados por brasileiros estão sendo cada vez menos citados. Vejamos uma conclusão intermediária, antes de passar para tentativas de explicar o fenômeno. CONTINUA!