quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Estudos revelam riqueza genética no 'DNA lixo'


JC e-mail 4578, de 06 de Setembro de 2012.
Estudos revelam riqueza genética no 'DNA lixo'


Megaconsórcio internacional de pesquisadores afirma que ao menos 80% do material genético teria papel no organismo, mesmo fora dos genes.

Parece que a ciência finalmente está começando a abrir a caixa-preta do genoma. Um novo olhar sobre o conjunto do DNA humano indica que ao menos 80% de seus 3 bilhões de "letras" químicas têm alguma função.

E sim, isso é surpreendente - porque, desde que o genoma humano foi soletrado pela primeira vez, há 12 anos, a impressão que ficou é que 95% dele era "DNA-lixo". Tal tralha evolutiva não era mais usada pelo organismo para a suposta função primordial dos genes: servir de receita para a produção das proteínas que constroem o organismo.

Agora, porém, um megaconsórcio de cientistas, o Encode, liderado pelo britânico Ewan Birney, diz que o "lixo" é uma ilusão. Embora não estejam diretamente ligadas à produção de proteínas, quase todas as áreas do genoma teriam função reguladora ou serviriam de "molde" para a produção de vários tipos de RNA, outra molécula crucial para a vida.

É possível pensar nesses elementos reguladores como uma série de botões de liga e desliga, que atuam sobre o mesmo gene ou sobre genes diferentes. Mas a coisa é ainda mais complicada.

Isso porque eles não regulam apenas dois estados simples de "ligado" e "desligado". Podem fazer o mesmo gene produzir várias proteínas diferentes, por exemplo. Podem atuar um sobre o outro, potencializando ou diminuindo sua ação.

"Essas diferenças regulatórias talvez sejam as principais responsáveis por aspectos que tanto nos intrigam: existem sequências de DNA que nos fazem 'humanos'? Quais as alterações genéticas que diferenciam cada um de nós?", exemplifica Emmanuel Dias-Neto, biólogo molecular do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo.

"Todos esses aspectos, incluindo a patogênese de doenças complexas, que são a imensa maioria, são impactados por esses achados. E as doenças complexas são ainda mais complexas do que imaginávamos", diz ele. Para Dias-Neto, os pesquisadores de hoje têm uma vantagem crucial para melhorar ainda mais essa análise: custo. Hoje, soletrar um genoma inteiro custa "só" US$ 1.000.

A revista britânica "Nature", onde o grosso dos dados está saindo hoje (6), numa montanha de artigos científicos, fez questão de marcar o feito com pompa. Após a conferência em Londres na qual os resultados foram anunciados, houve até a apresentação de uma "dança do DNA".

Feito ajuda a explicar imensa diversidade de células no corpo
Análise do médico brasileiro Marcelo Nóbrega, professor do Departamento de Genética Humana da Universidade de Chicago.


Decifrar o genoma foi uma das etapas para entender como as instruções para a execução das funções biológicas são codificadas no DNA. Mas não explica como esse código funciona.

Em uma percepção antiga, o genoma humano continha genes, que são trechos de DNA importantíssimos, e uma grande quantidade de DNA que não se tinha ideia de para que servia, achando-se mesmo que podia ser simples "DNA-lixo".

Ao sequenciar o genoma humano, pudemos fazer um apanhado global dos genes que estão presentes em cada uma das trilhões de células de uma pessoa. Mas, se cada uma dessas células tem o mesmo repertório de genes, como então uma se transforma num neurônio e outra em uma célula de pâncreas?

A resposta é que, apesar de cada célula conter todos os genes, só uma fração deles é usada em cada tipo celular. Por exemplo, apesar de todas as células do corpo terem o gene que codifica a produção de insulina, só no pâncreas esse gene é ativado, e só lá a insulina é produzida, dando assim identidade funcional a essas células, que as distinguem de outras.

A regulação desse processo é coordenada por sequências de DNA que estão fora dos genes, na fração de 98% do genoma que não sabíamos para que serve. Entender isso era o objetivo do projeto Encode (só para deixar claro, eu faço parte da iniciativa). É bastante surpreendente que uma fração tão grande do genoma (80%) possa, ao que parece, ter função biológica.
(Folha de São Paulo)




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Leia também na Nature:
Describing biology's dark matter

Far from being junk, the vast majority of our DNA participates in at least one biochemical event in at least one cell type, according to the Encyclopedia of DNA Elements (ENCODE) project.