quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A NECESSÁRIA CRÍTICA A UMA CIÊNCIA MERCANTILIZADA: A QUEM SERVEM O PUBLICISMO, O CITACIONISMO E O LEMA “PUBLICAR OU PERECER”?


Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 1, p. 1-4, jan./mar. 2012
Editorial
Por Silvana Calvo Tuleski

"Privatizaram sua vida, seu trabalho,
sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence.

(Privatizando, Bertold Brecht, 2007)



É com satisfação e, ao mesmo tempo, com indignação, que escrevo este editorial. Satisfação por ser este o ano em que a Psicologia completa seu cinquentenário como profissão no Brasil. É uma área profissional jovem, como também é jovem a ciência que a respalda, trilhando, por vezes, caminhos difíceis para delinear, explicitar e/ou revelar seu objeto, o psiquismo humano. Por outro lado, indignação, como resposta àquilo em que vem se transformando a ciência em geral, e particularmente, a Psicologia como ciência e profissão.

No caso da Psicologia, devido ao seu objeto - o psiquismo ou consciência humana - talvez caiba a ela uma responsabilidade ainda maior de denunciar o impacto de uma forma de produção científica que vem assumindo contornos de produção em série, com objetivos mercantilistas, cujo fim último não é "aliviar a miséria humana", como defendia Bertold Brecht (1977), mas alimentar bancos de dados, curvas estatísticas e currículos individuais, alienando aqueles que mais deveriam denunciar a alienação, porém enriquecendo uma grande fatia do mercado.

Em meu trabalho por três anos como Editora Geral da revista Psicologia em Estudo, foi comum o recebimento de mensagens de autores angustiados em saber sobre a tramitação de seus artigos, pois sua aprovação ou não punha em risco a conclusão de sua pós-graduação (mestrado ou doutorado). Professores pesquisadores de séria produção científica também escreviam, preocupados com isso devido às pressões impostas pelos programas de pós-graduação a que estavam vinculados, pois tinham que atestar uma boa quantidade de artigos produzidos em um determinado triênio, sob pena de serem deles sumariamente desvinculados, a despeito da solidez de suas pesquisas e da qualidade de suas aulas ou orientações - estas últimas, fundamentais para a formação de profissionais e pesquisadores compromissados eticamente com a ciência.

Por outro lado, pesquisas apontam um crescente adoecimento físico dos docentes pesquisadores, como, por exemplo, a pesquisa de Santana (2011). Nela o autor evidencia de modo contundente a correlação entre o aumento de produção científica e o número médio anual de orientandos por pesquisador, com maiores ocorrências médicas relacionadas a intervenções cardíacas.

Deste modo, além de estas exigências numéricas tornarem-se um problema de saúde física, esta lógica produtivista vem desencadeando uma competição desenfreada e uma "corrupção da personalidade humana", como atesta Vigotski (1930/2004), em que os valores se colocam de modo invertido na consciência dos pesquisadores, sob a pressão ideológica que Schlendlindwein(2009) denomina de "sistema de recompensa científica".

Procurando verificar o nível de adesão ou indignação quanto ao paradigma "publicar ou perecer", que, como exposto, vem adoecendo pesquisadores e comprometendo a qualidade das pesquisas, em uma busca rápida no Google, usando como descritores esse slogan, para minha surpresa, encontrei diversos artigos em blogs e periódicos científicos, das mais diversas áreas, apontando os severos riscos desta imposição à ciência. CONTINUA!