Por Eugênio Bucci - 01.07.2010
Está no ar um comercial de TV demasiadamente explícito. Nele as ruas, as casas, as pessoas e até mesmo o céu que cobre a paisagem, tudo é cenário fabricado. Nada mais ali é natureza. Trata-se da propaganda de um automóvel pequeno, cujo nome não vem ao caso. Em 30 segundos, tudo o que existe em torno do carro anunciado é montado como se fosse cenografia num palco de teatro. Até mesmo o céu, que, ao fim do filmete, vai envolvendo a cena como um cobertor aéreo. Havia outra campanha parecida, de uma empresa de telefonia móvel, na qual o céu se estendia sobre o planeta do mesmo jeito, como uma cortina na horizontal.
A ideia de que a "realidade" que nos cerca não passa de uma ambientação artificial não é exatamente nova. Ela aparece no cinema - como em The Truman Show (de Peter Weir, 1998) ou Matrix (de Andy e Larry Wachowski, de 1999) - e até nos ensaios de autores como Jean Baudrillard. Cada um a seu modo, as peças publicitárias, esses filmes e alguns filósofos apontam a hipótese de que a tal "realidade" tem sempre uma ponta de ilusão fabricada, ou pela mercadoria, ou pelo poder político. Nas perspectivas mais pessimistas, como a de Matrix, o mundo visível reduziu-se a um efeito gerado por softwares, numa sociedade administrada pela inteligência dos computadores, em que os humanos servem somente para alimentar as máquinas. Nas perspectivas mais alegres, como a da publicidade do automóvel, a ideia é menos sombria: se você comprar aquela mercadoria, sua vida vai ficar tão bonitinha como a vitrine de uma concessionária.
A Copa do Mundo, com todo o respeito, tem um pouco disso aí. Sem querer irritar os ânimos futebolísticos da Pátria de chuteiras - ou daqueles que na chuteira imaginam ter sua Pátria -, sem reclamar de vuvuzelas, que rimam com camisetas amarelas, a Copa do Mundo apresenta-se, cada vez mais, como um reality show. Foi-se o tempo em que o espetáculo ocorria no gramado. Foi-se o tempo de Fiori Gigliotti. Agora, o espetáculo envolve os que estão ali dentro, abocanha as torcidas multicoloridas e os que giram em volta da lâmpada, como os jornalistas das emissoras de TV. Além de outros.
Mais algum tempo e veremos a generalização dos torcedores profissionais, mais ou menos como aquelas mulheres que antigamente, em troca de um sanduíche de mortadela, batiam palmas no programa de auditório de Silvio Santos. Com justiça, ele as chamava de "colegas de trabalho". Agora, na Copa, todos são atores - e todos têm consciência de que estão em cena. O torcedor maquiado tem essa consciência. O jogador atingido pela botina adversária também tem: e então rola na grama enquanto faz sua melhor expressão de dor explícita - no que é mais eficiente que atores de novela. Ele se sabe em close. Continua