Escrevo, com muita frequência, sobre as transformações na vida contemporânea. As mudanças são muitas e em tudo que diz respeito ao modo de subjetivação. Sai de cena o neurótico bem comportado, muito bem representado no cinema pelos personagens de Woody Allen, para dar lugar à diversas formas de sofrimento que guardam forte relação com as profundas transformações da pós-modernidade.
Configuram o quadro de uma vida contemporânea em crise o esfacelamento da perspectiva de futuro, a flexibilização do mercado de trabalho, os vínculos sociais e afetivos frágeis, as dramáticas alterações nas noções de tempo e espaço trazidas pelas novas tecnologias, a hipervalorização do consumo, a imposição de fragmentação ao sujeito, e o peso da responsabilidade absoluta pela gestão da própria vida, sem o apoio de redes de proteção.
Esse processo de transformação fica visível e evidente nas mudanças entre os sujeitos e seus corpos, tema que a pesquisadora Paula Sibilia (UFF), autora de “Homem pós-orgânico – corpo, subjetividade e tecnologias digitais”, explora nessa entrevista. “Cada vez mais é a superfície visível da pele que define a nossa identidade. Agora, não temos mas somos corpos.”
A senhora afirma que o corpo humano está ficando obsoleto e que não consegue fugir da tirania do upgrade. Por que?
Existem muitas forças surpreendentes nos corpos humanos. Sempre existiram e acredito que continuarão a existir. Mas os corpos também costumam sofrer os limites impostos pelo contexto de cada época, por seus fatores sociais, políticos e culturais. Na nossa sociedade, espalha-se uma certa paranóia decorrente de uma notícia aterradora: nossos corpos estariam ficando obsoletos, pois eles não conseguem responder às exigências dos competitivos ambientes contemporâneos. Assim, se não quisermos ficar para trás, a nossa velha configuração biológica deve ser permanentemente “incrementada”, “turbinada”, “melhorada”, “bombada”, “sarada”. O mercado oferece um grande leque de produtos e serviços destinados a esse fim: das academias de ginástica às cirurgias plásticas, passando pelas vitaminas, dietas, iogas. Uma parafernália fartamente apoiada pela mídia, que mantém os consumidores informados a respeito dos novos lançamentos e descobertas científicas, dos exemplos bem-sucedidos de corpos corretamente modelados e das ameaças que assombram a todos aqueles que se recusam a seguir seus conselhos. Continua
sábado, 24 de julho de 2010
Corpos em transformação
Via Contemporânea - Por Carla Rodrigues