quarta-feira, 28 de julho de 2010

Origens da vida

Via Estudos Avançados - USP/Scielo
Por AUGUSTO DAMINELI
e DANIEL SANTA CRUZ DAMINELI


O que é vida?

EMBORA A PALAVRA vida pareça ter um sentido óbvio, ela conduz a diferentes idéias, tornando-se necessário definir o próprio objeto a que nos referimos neste texto. Para psicólogos, ela traz à mente a vida psíquica; para sociólogos, a vida social; para os teólogos, a vida espiritual; para as pessoas comuns, os prazeres ou as mazelas da existência. Isso é parte da nossa visão fortemente antropocêntrica do mundo. Para uma parte (relativamente pequena)das pessoas, ela traz à mente imagens de florestas, aves e outros animais. Mesmo essa imagem é parcial, já que a imensa maioria dos seres vivos são organismos invisíveis. Os micróbios compõem a maior parte dos seres vivos, a maioria (80%)vivendo abaixo da superfície terrestre, somando uma massa igual à das plantas. Entretanto, os micróbios ainda não ocupam a devida dimensão em nosso imaginário, apesar de mais de um século de uso do microscópio e de freqüentes notícias na mídia envolvendo a poderosa ação de micróbios, ora causando doenças ora curando-as, fazendo parte do ecossistema ou influindo na produção de alimentos. Esse quadro se deve ao fato de que a vida ainda é um tema recente no âmbito científico, comparado com sua antigüidade no pensamento filosófico e religioso.

Uma concepção muito difundida entre os povos de cultura judaico-cristã-islâmica é que a vida foi insuflada na matéria por Deus, e seria, portanto, uma espécie de milagre e não uma decorrência de leis naturais. É difícil traçar a origem dessa concepção, mas os escritos de Aristóteles (384-322 a.C.) falam da pneuma, que seria uma espécie de matéria divina e que constituiria a vida animal. A pneuma seria um estágio intermediário de perfeição logo abaixo do da alma humana. A dualidade matéria/vida nos animais (ou corpo/alma nos seres humanos)já aparecia na escola socrática, da qual Aristóteles era membro, embora de modo um pouco diferente. Entre os animais superiores, o sopro vital passaria para os descendentes por meio da reprodução. Entretanto, Aristóteles acreditava que alguns seres (insetos, enguias, ostras) apareciam de forma espontânea, sem serem frutos da “semente” de outro ser vivo. Essa concepção é conhecida como geração espontânea e parece ter sido derivada dos pré-socráticos, que imaginavam que a vida, assim como toda a diversidade do mundo, era formada por poucos elementos básicos. A idéia de geração espontânea está também presente em escritos antigos na China, na Índia, na Babilônia e no Egito, e em outros escritos ao longo dos vinte séculos seguintes, como em van Helmont, W. Harvey, Bacon, Descartes, Buffon e Lamarck. Parece que sua dispersão pelo mundo ocidental se deu por intermédio de Aristóteles, dada sua grande influência em
nossa cultura.

Um experimento de laboratório de Louis Pasteur (1822-1895) colocou um ponto final na idéia da geração espontânea. Depois dele, passou-se a admitir que a vida só pode vir de outra vida. Curiosamente, contudo, Pasteur dizia que não tinha eliminado totalmente a possibilidade da geração espontânea. De fato, seu experimento não poderia se aplicar à primeira vida, e a idéia de que a vida podia vir da matéria inorgânica continuou em pauta entre outros grandes cientistas. Entretanto, ela mudou para um contexto tão diferente das visões anteriores, que não podemos rotulá-la da mesma forma. Essa nova forma de “geração espontânea” só seria válida para a primeira vida, daí para a frente seria exigida a reprodução. Continua

Legenda da imagem
A geração espontânea para seres considerados simples foi admitida
desde a Antigüidade até o final do século XIX.