domingo, 18 de julho de 2010

Um basta aos charlatães das células-tronco, artigo de Lygia da Veiga Pereira


JC e-mail 4054, de 16 de Julho de 2010.
Um basta aos charlatães das células-tronco, artigo de Lygia da Veiga Pereira

"Existe uma linha tênue entre a ousadia e a irresponsabilidade, mas pesquisadores de verdade sabem muito bem respeitar esse limite"

Lygia da Veiga Pereira é professora e chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da Universidade de São Paulo. Artigo publicado em "O Globo":

De todas as perguntas que respondo sobre células-tronco (CTs), as mais delicadas são as de pacientes e familiares querendo saber se já existe algum tratamento para sua doença - são dezenas delas todos os meses.

A pergunta é absolutamente natural e justificada - afinal, com sua capacidade de regenerar órgãos e tecidos, as CTs são a grande promessa terapêutica do século XXI, e nos últimos dez anos cientistas do mundo todo trabalham para transformar esta promessa em realidade. Porém, em geral a pergunta é baseada na percepção de que as CTs já fazem parte de uma realidade médica, tratando desde infarto e diabetes até gripe suína.

Mas não fazem? Não. Até hoje, o único tratamento com CTs consolidado é o transplante de medula óssea ou de sangue do cordão umbilical, utilizado principalmente no tratamento de leucemias e outras doenças do sangue. Todas as outras aplicações das CTs, seja em infarto ou lesão de medula, são ainda experimentais.

É verdade que em várias doenças já passamos dos testes em animais para testes em seres humanos, porém ainda são testes em andamento.

Entre a enorme expectativa dos pacientes e a forma por vezes sensacionalista de as CTs serem apresentadas, não é de se admirar que muita gente acredite que elas já estejam incorporadas à medicina de consultório. Infelizmente, isso levou ao surgimento em vários países de um comércio de tratamentos milagrosos com CTs para doenças hoje incuráveis.

A comunidade científica repudia veementemente essas práticas, não fundamentadas experimentalmente, aéticas, e que submetem os pacientes a riscos desnecessários.

Algumas famílias argumentam que não têm nada a perder, mas se enganam.

No ano passado, o resultado de um desses tratamentos misteriosos com CTs oferecidos em uma clínica na Rússia foi relatado: o desenvolvimento de múltiplos tumores no cérebro de um menino que buscava tratamento para sua doença neurodegenerativa. Atenção: por enquanto tratamentos com CTs só podem ser realizados em instituições de pesquisa, com a aprovação dos respectivos comitês de ética, e sem nenhum custo financeiro para os pacientes. Continua

Leia também:
- Elio Gaspari: ‘O MEC precisa expor seus caloteiros’
- Bolsa Família: 431 mil alunos tem ‘excesso’ de faltas
- Ex-preso político de Cuba pede que Lula se desculpe
- Criminalista: ou Eliza está viva ou crime não foi como jovem diz
- "Escola é irrelevante", diz coronel ao negar erro em tiroteio no Rio