28.03.2011
O desastre em Fukushima levantou questões no mundo todo sobre a segurança nuclear. A contaminação, contudo, é muito pior no Noroeste Pacífico dos EUA. A antiga usina de plutônio em Hanford, no Estado de Washington, é um dos lugares mais contaminados da Terra e ainda serão necessárias décadas para que fique limpo.
Os cordeiros nasceram sem olhos ou bocas. Alguns tinham pernas grotescamente unidas; outros, não tinham pernas. Muitos eram natimortos. Trinta e um se perderam em uma única noite. Reportagem de Marc Pitzke, no Der Spiegel.
Em um pasto próximo, uma vaca foi encontrada morta, dura, com os cascos bizarramente esticados para o céu. Mais a jusante, homens da tribo Yakama tiraram salmões de três olhos do rio Columbia. As trutas estavam cobertas com úlceras cancerosas.
E aí os bebês começaram a adoecer.
Na primavera de 1962, o fazendeiro Nels Allison observou que algo estava assustadoramente errado. “Nossa mãe”, disse à esposa. As ovelhas eram sempre “as primeiras a se deitar e morrer” quando algo estava errado na fazenda de Allison perto de Basin City, uma cidade rural perto do rio Columbia no Noroeste dos EUA. Ele começou a se referir àquela noite como “a Noite dos Pequenos Demônios”.
Apesar dos Allison já terem morrido, o choque permanece. O jornalista Michael D’Antonio registrou a história no livro “Atomic Harvest” (colheita atômica), uma das milhares de narrativas de horror que ocorreram na região em torno de Hanford, local da usina de produção de plutônio nos EUA. A usina assusta os moradores até hoje –e os coloca em perigo.
Hanford é o pecado original atômico dos EUA. Nesta gigantesca instalação, espalhada por 1.517 quilômetros quadrados, uma viagem de quatro horas a sudeste de Seattle, no vazio extenso de Washington oriental, os EUA produziram a maior parte da matéria prima para a Guerra Fria. Apesar de ter sido desativada em 1988, a usina continua sendo o local mais contaminado de todo o hemisfério ocidental.
O Departamento de Energia dos EUA recentemente revisou seu programa de descontaminação de Hanford, a maior limpeza ambiental da história americana. A data final foi novamente adiada. Agora, espera terminar sua tarefa hercúlea até setembro de 2052 –mais de 108 anos após a abertura da usina.
“Mapa da morte”
A catástrofe nuclear que está se desdobrando na distante Fukushima levou muitos a levantarem a questão sobre a segurança dos reatores nucleares dos EUA, mas uma das ameaças mais graves está enterradas Hanford, uma das mais teimosas relíquias da Guerra Fria.
Ainda mais preocupante é o fato que uma usina nuclear ativa –a única da região propensa a terremotos do Noroeste Pacífico- fica às margens do local poluído. De fato, Gerry Pollet, diretor executivo do grupo ativista Heart of America Northwest, diz que a combinação do legado de Hanford com a potencial atividade sísmica impõe um “sério risco”.
Essas novas preocupações não são nada novas para o povo de Richland, a cidade mais próxima de Hanford, que tem cerca de 240.000 pessoas vivendo em condados pouco populosos. Seus avós já pagaram o preço da contaminação permanente e da radiação: abortos, defeitos de nascimento e doenças infantis raras.
Nos anos 60, Juanita Andrewjewski, esposa de um agricultor, criou um “mapa da morte” da região em torno de sua casa –com cruzes para doenças de coração e círculos para câncer. Logo, o mapa ficou cheio de cruzes e círculos; em certa altura, havia 67.
O preço da paz?
Stewart Udall, que foi secretário do interior dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, chamou Hanford de o “capítulo mais trágico na história da Guerra Fria americana”. Continua