Em entrevista ao “Spiegel”, o ativista pela paz e autor Jonathan Schell discute as lições do desastre de Fukushima, a falsa impressão da humanidade de que pode, de alguma forma, produzir eletricidade de forma segura de um átomo e porque ele acha que a fusão parcial no Japão pode marcar uma virada para o mundo. Por Philip Bethge e Gregor Peter Schmitz, Der Spiegel.
Spiegel: Senhor Schell, o que mais chamou sua atenção na catástrofe nuclear de Fukushima?
Schell: Claramente, este acidente todo ficou completamente fora do programado. Se você olhar os manuais de segurança em acidentes nucleares, você não vai encontrar uma seção que diga para reunir seus helicópteros militares, jogar baldes no mar e depois tentar o seu melhor para lançar a água sobre o reator e ver se consegue acertar uma piscina de varetas usadas. Não vai haver instruções dizendo para você sair e pegar seus caminhões de água dos batalhões de choque para jogarem água no reator, e depois descobrir que tem que recuar por causa da radiação. A possibilidade de um desastre total foi claramente demonstrada.
Pergunta: Mas os defensores da energia nuclear já estão preparando uma narrativa diferente. Eles dizem que uma usina nuclear velha e ultrapassada foi atingida por uma tsunami monstruosa e um terremoto ao mesmo tempo –e ainda assim, até agora, apenas meia dúzia de pessoas foram expostas à energia radioativa. Nem uma única pessoa morreu.
Schell: Claramente é melhor do que se você tivesse tido uma liberação de energia do tipo de Chernobyl. Mas acho que qualquer análise razoável vai demonstrar que esta usina não estava sob controle. Os operadores tiveram que lançar mão de improvisações absurdas. O pior tipo de desastre estava a um ou dois erros de distância. Por uma série de tentativas frenéticas, os técnicos de Fukushima evitaram o pior, mas isso não era garantido. Ninguém poderá honestamente apresentar este evento como modelo de segurança nuclear. Seria como dizer que a crise de mísseis de Cuba mostrou a segurança dos arsenais nucleares.
Pergunta: Não apenas na Alemanha, mas também nos EUA e na China as pessoas estão armazenando suprimentos e comprimidos de iodo. Além disso, os carregamentos do Japão devem ser testados para radioatividade. De onde vem esse profundo medo da energia nuclear.
Schell: Para a opinião pública, a energia nuclear está associada às armas nucleares. Nas duas, uma reação em cadeia nuclear é, de fato, a fonte da energia. É verdade que não dá para ter uma explosão atômica em uma usina nuclear, mas as pessoas estão certas em fazer a associação. Há também a conexão com a proliferação de armas. Em outras palavras, o problema com a associação da energia nuclear com armas nucleares vai além do vazamento de radiação e de acidentes tipo Chernobyl. O terceiro grande desafio, evidentemente, é o problema dos dejetos. Você tem que manter esse lixo enterrado por talvez meio milhão de anos. Então estamos agindo em uma espécie de dimensão cósmica no ambiente terrestre, apesar de simplesmente não termos a sabedoria e o poder para tanto.
Pergunta: O senhor diz que lidar com a energia nuclear é brincar com o “poder da Mãe Natureza”. Por que é tão totalmente diferente de outras fontes de energia?
Schell: Porque tem um poder colossal. Só se pode encontrar energia comparável, na melhor das hipóteses, no centro das estrelas. Basicamente, esse tipo de energia não é encontrado naturalmente na Terra e foi apenas por meio de nosso brilhantismo científico que pudemos introduzi-la no ambiente terrestre. Mas infelizmente, não somos tão avançados moralmente, praticamente e politicamente quanto somos cientificamente, então não estamos preparados para controlar essa força de forma adequada. A ilusão mais perigosa que temos em relação à energia nuclear é a de que podemos controlá-la. Continua
sábado, 2 de abril de 2011
‘Nossa ilusão mais perigosa é que podemos controlar a energia nuclear’, entrevista com Jonathan Schell
Via EcoDebate