segunda-feira, 25 de abril de 2011

A soberania alimentar como alternativa, artigo de Esther Vivas

Via EcoDebate
21.04.2011

A globalização neoliberal, em sua trajetória para privatizar todos os âmbitos da vida, fez o mesmo com a agricultura e os bens naturais, submetendo à fome e à pobreza a uma imensa da população mundial. Calcula-se hoje que no mundo há 925 milhões de pessoas famintas, segundo dados da FAO, quando, paradoxalmente, se produz mais alimentos que nunca na História.

Como indica a organização internacional GRAIN, a produção de comida se multiplicou por três desde os anos 60, enquanto a população mundial foi apenas duplicada desde então, mas os mecanismos de produção, distribuição e consumo, ao serviço dos interesses privados, impedem aos mais pobres a obtenção necessária de alimentos.

O acesso, por parte do pequeno campesinato, à terra, à água, às sementes… não é um direito garantido. Os consumidores não sabem de onde vem aquilo que comemos, não podemos escolher consumir produtos livres de transgênicos. A cadeia agro-alimentar se alargou progressivamente, afastando, cada vez mais, produção e consumo; favorecendo a apropriação das diferentes etapas da cadeia por empresas agroindustriais, com a consequente perda de autonomia camponesa e consumidora.

Frente a este modelo dominante do agronegócio, onde a busca do benefício econômico se antepõe às necessidades alimentares das pessoas e ao respeito ao meio ambiente, surge o paradigma alternativo da soberania alimentar. Uma proposta que reivindica o direito de cada povo de definir as suas políticas agrícolas e alimentares, de controlar o seu mercado interno, de impedir a entrada de produtos excedentes através de mecanismos de “dumping”, de promover uma agricultura local, diversificada, camponesa e sustentável, que respeita o território, compreendendo o comércio internacional como um complemento à produção local. A soberania alimentar implica restituir o controlo dos bens naturais (como a terra, a água e as sementes) às comunidades e lutar contra a privatização da vida.

Para além da segurança alimentar

Trata-se de um conceito que vai para além da proposta de segurança alimentar, defendida pela FAO a partir dos anos 70 com o objetivo de garantir o direito e o acesso à alimentação a toda a população. A segurança alimentar não representa um paradigma alternativo ao não questionar o atual modelo de produção, distribuição e consumo, e tem sido, frequentemente, privada de seu significado original. A soberania alimentar, por sua vez, inclui esta proposta: garantir que todos possam comer, ao mesmo tempo em que se opõe ao sistema agro-industrial dominante e às políticas das instituições internacionais que lhe dão apoio.

Atingir este objetivo requer uma estratégia de ruptura com as políticas agrícolas neoliberais impostas pela Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que corroeu a soberania alimentar dos povos a partir dos seus ditames de livre comércio, dos planos de ajuste estrutural, endividamento externo, etc. Frente a estas políticas, é necessário produzir mecanismos de intervenção e de regulamento que permitam estabilizar os preços, controlar as importações, estabelecer cotas, proibir o “dumping” e, em momentos de super-produção, criar reservas específicas para quando estes alimentos faltarem. Em nível nacional, os países devem ser soberanos no momento de decidir o seu grau de auto-suficiência produtiva e priorizar a produção de comida para o consumo doméstico, sem intervencionismo externo.

Afirmar a soberania alimentar não implica um regresso romântico ao passado, mas trata-se de recuperar o conhecimento e as práticas tradicionais, combinando-as com as novas tecnologias e os novos conhecimentos. Não deve consistir, tampouco, numa abordagem localizada, nem em uma “mistificação do pequeno”, mas em repensar o sistema alimentar mundial para favorecer formas democráticas de produção e distribuição de alimentos. Continua