Lynn Margulis, uma vida dedicada à Biologia
Artigo de Wanderley de Souza publicado no portal Monitor Mercantil no dia 8 de dezembro.
Lynn Margulis, uma das grandes biólogas contemporâneas, faleceu aos 73 anos no dia 23 de novembro último, vítima de um acidente vascular encefálico na sua residência de Amherst, estado de Massachusetts, Estados Unidos.
Sua formação básica foi obtida na Universidade de Chicago, cidade onde nasceu em 1938, tendo se graduado em 1957. Em seguida, obteve em 1960 o título de Mestre em Genética e Zoologia pela Universidade de Wisconsin e, em 1965, o título de Doutor em Genética pela Universidade da Califórnia em Berkeley, berço de grandes biólogos contemporâneos. Sua carreira de professora ocorreu inicialmente na Universidade de Boston e, em seguida, no departamento de Geociências da Universidade de Amherst, pequena cidade no interior do estado de Massachusetts.
Tive a oportunidade de conhecê-la em 1976, apresentado na cafeteria da universidade pelo professor Honigberg, colega protozoologista e grande autoridade no campo da taxonomia de protozoários e da biologia de tricomonadídeos, área em que Margulis também fez importantes contribuições.
Lynn Margulis desenvolveu uma carreira dinâmica e marcada por idéias inovadoras no campo da Biologia, sobretudo no que se refere ao processo de evolução dos seres vivos e a biogênese de estruturas e organelas que constituem as células eucarióticas.
De sua vasta obra, que conta com cerca de 120 artigos publicados em revistas de grande prestígio, algumas contribuições merecem destaque. Primeiro, o lançamento da chamada "Teoria da Endosimbiose", onde propôs a fusão de duas células não relacionadas e em distintas etapas do processo evolutivo.
Assim, a célula eucariótica, base da estruturação dos seres vivos superiores, teria surgido pela incorporação de bactérias por células primitivas. O exemplo mais clássico é o da formação das mitocôndrias, dos cloroplastos e dos cílios e flagelos, a partir da endocitose de bactérias.
Inicialmente, a idéia foi muito criticada. Hoje, está definitivamente incorporada em todos os livros básicos de Biologia. Estudos posteriores também vieram demonstrar que, ao longo do complexo processo evolutivo, não houve apenas incorporação de estruturas, mas também a perda de outras.
Outra área em que Margulis atuou de forma marcante foi no estabelecimento de novos parâmetros de classificação dos seres vivos, levando em consideração não apenas critérios morfológicos, mas também funcionais e filogenéticos. Sua proposta taxonômica representou um avanço em relação às feitas por Honigberg, seu colega da Universidade de Amherst, em 1964, e por Levine em 1980.
Em sua classificação dos membros de Reino Protista, publicada em 1989 de forma inovadora, ela levou em consideração a existência ou não de estruturas envolvidas na motilidade celular, chamadas de ondulopódios e que incluía os cílios e flagelos, bem como a presença ou não de um ciclo sexual completo ao longo da vida do protista.
Ainda que esta classificação não seja a utilizada atualmente, tendo sido substituída pelas propostas de Cavalier-Simith, em 1998, e as de Adl e colaboradores, em 2005, teve grande impacto nas pesquisas ligadas ao tema ao longo de vários anos. No contexto da moderna Protozoologia, é importante destacar sua contribuição ao editar, em colaboração com John Corliss, Michael Melkonian e David Chapman, o clássico livro intitulado Handbook of Proctists, lançado em 1989.
Uma terceira área que destacaria neste breve comentário foi a associação de Margulis com seu filho Dorian Sagan, fruto do primeiro casamento com o eminente astrônomo Carl Sagan, que levou à publicação de vários livros em diversas línguas e edições. Livros como What is Sex, Origin of the Sex, e On the Evolution of Human Sexuality tiveram grande sucesso e também foram traduzidos para o português e lançados no Brasil.
A contribuição de Lynn Margulis à Ciência foi reconhecida pelas inúmeras homenagens que recebeu. Destaco a sua eleição para a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos em 1983, a Medalha Nacional de Ciência de 1999 entregue pelo presidente Bill Clinton e a medalha Darwin-Wallace conferida em 2009 pela Linnean Society de Londres.
Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, diretor do Inmetro e membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.
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