sexta-feira, 9 de março de 2012

A imagem invisível

Via Estadão
Por EUGÊNIO BUCCI
08.03.2012

A capa da revista Time com data de 5 de março provocou um bom debate. Em 20 fotografias enfileiradas sobre fundo branco, ela retratou rostos de americanos de origem latina. São homens e mulheres, de várias idades, mas todos eles, sem exceção, morenos, de olhos sutilmente puxados. Ao centro, uma chamada em espanhol: Yo Decido. Ao lado, um pequeno texto explicativo: "Por que os latinos decidirão a escolha do próximo presidente".

Detalhe explosivo: numa das fotos, logo na fileira do alto, o terceiro da esquerda para a direita, está alguém que não nasceu nem no México nem na Guatemala. Embora nenhuma das personagens da capa esteja identificada, logo se soube que aquela pessoa, fisicamente parecida com as outras 19 que lhe fazem companhia na capa, era Michael Schennum, um tipo simpático de ascendência chinesa. Ele não é, nem nunca foi, o que a revista Time chama de latino, mas está lá para provar que os latinos existem.

Foi o que bastou para que se armasse uma grita na internet. Duramente questionada pela multidão, a revista não teve outra saída: em questão de poucos dias, precisou pedir desculpas em seu site pelo que chamou de "mal-entendido".

O episódio, que já rendeu polêmicas pertinentes, ainda vai ser muito comentado na imprensa e nas escolas de Jornalismo. Uns dirão que a Time cometeu um deslize ético. Outros, mais técnicos, afirmarão que houve pressa e descuido na seleção das fotos. Haverá ainda os que falarão da força crescente das redes sociais para fiscalizar e denunciar os desvios da mídia. Todos estarão certos, como de costume, mas o que essa história tem de mais interessante não tem que ver apenas com a ética ou com a técnica da atividade jornalística, assim como não se restringe ao poder dos internautas de desmentir a famigerada "grande imprensa". O melhor do episódio está num campo mais vasto, mais crítico, mais fascinante e mais incerto: ele nos leva a refletir sobre o limite da fotografia como registro da realidade no jornalismo. Continua