quinta-feira, 16 de maio de 2013

Após 3 anos, situação é precária no Butantã


JC e-mail 4726, de 15 de Maio de 2013.
Após 3 anos, situação é precária no Butantã


Reportagem do O Estado de São Paulo sobre os efeitos da destruição causada por incêndio em 2010, que não teve ainda as causas esclarecidas

Três anos após o incêndio que destruiu o prédio das coleções biológicas do Instituto Butantã, os milhares de exemplares de cobras e aranhas que foram resgatados das chamas permanecem acondicionados em ambientes provisórios e, em alguns casos, inadequados, tanto para a preservação do acervo quanto para o trabalho dos pesquisadores que perderam seus laboratórios.

Um novo prédio - projetado especificamente para receber as coleções - já está pronto, mas ainda não foi inaugurado. Enquanto isso, os pesquisadores da Herpetologia (que estudam répteis) continuam a trabalhar em uma casinha antiga, próxima ao prédio da diretoria, em condições precárias.

Por falta de espaço, uma parte da coleção que foi resgatada do incêndio fica amontoada do lado de fora da casa, em uma varanda coberta, porém exposta ao sol e à chuva e repleta de sujeira. Outra parte está guardada no canto de um porão úmido e cheio de fungos nas paredes, onde também estão estocados cerca de 6 mil animais recebidos pelo instituto e adicionados à coleção nos últimos três anos. As prateleiras estão lotadas.

"Nossas condições de alojamento são bastante precárias", disse ao jornal O Estado de S. Paulo o biólogo Francisco Franco, curador da coleção de répteis. Tanto que, até hoje, não foi feita uma triagem para saber de fato o que foi perdido e o que foi salvo no incêndio. "Assim que tivermos um espaço adequado, vamos fazer esse levantamento", promete.

Sua estimativa é de que cerca de 80% da coleção de cobras tenha sido perdida. O acervo era um dos maiores do mundo, com cerca de 85 mil exemplares de centenas de espécies coletadas ao longo dos 120 anos do instituto.

A maior parte do que foi salvo do incêndio está em um outro prédio, conhecido como "fazendinha". O diretor substituto do Butantã, Marcelo de Franco, reconheceu que as condições não são ideais, mas disse que elas atendem às necessidades básicas de segurança para manutenção provisória do acervo.

O prédio novo, segundo ele, "está pronto". "Queremos entrar lá em julho, no mais tardar", disse. O projeto é da Secretaria de Estado da Saúde, à qual o Butantã é vinculado. Segundo o diretor da Divisão de Engenharia e Arquitetura do instituto, Mauricio Meros, o projeto já foi aprovado pelo Corpo de Bombeiros, faltando só o treinamento dos brigadistas e alguns testes de comissionamento dos sistemas anti-incêndio.

Franco, o curador, está ansioso para ocupar o prédio, que é maior e muito mais moderno do que o anterior - que era, essencialmente, um galpão improvisado. "Finalmente teremos instalações adequadas para nossas coleções", disse. Ele lamentou, porém, a demora para a inauguração. "Prometeram entregar o prédio em um ano; já passaram três."

Segundo o diretor substituto, o atraso foi "por causa da licitação da parte de segurança" do prédio, que terá sistemas sofisticados de prevenção e combate a incêndios.

Futuro
De acordo com informações da Secretaria de Saúde, o prédio tem 1,6 mil metros quadrados e custou R$ 5,5 milhões, incluindo os equipamentos e sistemas de segurança. A área onde ficarão as coleções é totalmente isolada dos outros ambientes e o acervo ficará dividido em sete salas também isoladas umas das outras, para evitar uma perda total em caso de acidente.

Causas e responsabilidades sobre incêndio não foram esclarecidas
As causas e responsabilidades sobre o incêndio ocorrido três anos atrás ainda não foram totalmente esclarecidas. A investigação do Instituto de Criminalística (IC) da Secretaria de Segurança Pública concluiu em março de 2011 que o incêndio foi acidental, causado pelo superaquecimento de uma pedra de calor usada para aquecer terrários de répteis. Apesar desse laudo, o Ministério Público Estadual interpretou o incêndio como culposo e apontou cinco pessoas como responsáveis, incluindo dois diretores, um engenheiro e dois pesquisadores.
Aos acusados foi oferecido um acordo para suspensão do processo, mas eles não aceitaram. Consequentemente, em março deste ano, foram denunciados e terão de responder a processo criminal. "Eles preferiram discutir o mérito, então vamos discutir", diz a promotora Eliana Passarelli.

O Estado conversou ontem com os dois pesquisadores denunciados: Otavio Marques e Selma Santos, ambos do Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantã. Segundo o laudo do IC, a pedra de calor estava em uma sala do mezanino do prédio (feito de maneira irregular, sem alvará), que era ocupada provisoriamente por eles para manter cerca de 15 cobras vivas, por causa da falta de espaço no seu próprio laboratório, que fica em um prédio em frente.

Marques e Selma negam qualquer culpa no incêndio. Segundo eles, se havia alguma pedra de calor no prédio, não era deles. "Nunca usamos essas pedras no nosso laboratório", afirma Marques. "Estou aqui há 22 anos e nunca tinha visto uma pedra dessas", diz Selma.

Os aparelhos são, na verdade, uma imitação de pedra com uma resistência dentro, que é ligada por fio a uma tomada para produzir calor e ajudar os répteis a manter sua temperatura corporal. Elas são tipicamente usadas em aquários com terra (terrários), como os do Museu Biológico, que é aberto ao público. Os animais do laboratório, porém, são mantidos em caixas de plástico duro transparente, com papelão no fundo para coletar os dejetos do animal. "Imagina se a gente colocaria uma pedra quente dentro disso", questiona Selma.

O laudo do IC traz imagens de fragmentos que seriam da pedra e de resistências carbonizadas, do tipo bastão, tipicamente usadas em ambientes aquáticos.

Churrasco. Segundo o inquérito, na noite anterior ao incêndio (detectado por volta das 7h), houve uma festa com churrasco no fundo do prédio, que teria durado até a madrugada. A churrasqueira ficava do lado de fora, mas pessoas entravam no prédio para usar os banheiros, transitando pela coleção com milhares de vidros com álcool.

"Fizemos uma comemoração, mas foi fora do prédio. Nunca houve contato de qualquer fonte de calor com o prédio", disse ao Estado o curador da coleção, Francisco Franco.

A promotora Eliana não considerou o churrasco preocupante. "Foi fora do prédio, não aconteceu nada", disse. "O laudo não deixa dúvidas sobre as causas do incêndio."

(Herton Escobar - O Estado de São Paulo)