quinta-feira, 1 de abril de 2010

Um ensino de ciências sem ciências: um simulacro de educação científica, artigo de Cássio Costa Laranjeira



JC e-mail 3980, de 31 de Março de 2010.
Um ensino de ciências sem ciências: um simulacro de educação científica, artigo de Cássio Costa Laranjeira


"Encerrada em permanente duelo entre o ensinar e o aprender (em que ambos saem vitimados do confronto) a nossa escola "ensina", mas não aprende. Não aprende porque não estuda"

Cássio Costa Laranjeiras é graduado em Física pela UFRJ, mestre em Ensino de Física e doutor em Filosofia da Ciência pela USP. É professor no Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

Em que pese a ênfase da afirmação contida no título deste artigo, que muito provavelmente soará desagradável aos ouvidos de muitos, não pude furtar-me em fazê-lo. Ele traduz bem uma percepção de há muito instalada em mim e somente não constatada em meu contato com o ensino de ciências na educação básica no Brasil em situações de pura excepcionalidade.

Nosso ensino de ciências tem abdicado das ciências, tornando-as ausentes de seu contexto, não poucas vezes negando-as, razão pela qual tem se convertido em mero simulacro de educação científica. Dessa forma, constitui-se em uma realidade auto-referenciada e bastante alheia àquela que deveria servir-lhe de inspiração e referência: a da ciência.

O sentido da investigação científica, para o qual as diferentes disciplinas da área de Ciências da Natureza deveriam convergir, tem se perdido em meio a práticas pedagógicas que, desconhecendo o processo mesmo de construção da ciência, vem violentando a sua integridade na escola, promovendo pseudo-apropriação de informações desconexas, travestidas de conhecimento científico.

Os "projetos de investigação", estratégia privilegiada de uma boa iniciação à ciência, quando propostos de maneira séria são quase que na generalidade desconsiderados; as "bibliotecas", celeiros de informação e conhecimento, quando existem fisicamente, o que já é raro, não são percebidas e utilizadas como espaço formativo.

A desculpa padronizada tem sido a de que estamos na era da internet, do virtual. De fato aqui caberia o uso da expressão "literalmente virtual", pois elas inexistem no mundo real; a "experimentação", que bem planejada e devidamente conduzida do ponto de vista didático reúne elementos significativos para uma boa iniciação à ciência, visto que capaz de explicitar e traduzir a dimensão empírica inerente às ciências da natureza, quando considerada, é já naturalmente percebida como acessória, ação meramente complementar e "cosmética" ao processo de ensino-aprendizagem da ciência.

Neste caso específico o simulacro adquire uma maior complexidade, quando muitas vezes vemos a experimentação substituída em sua integridade epistemológica por "atividades", "atividades práticas" para ser mais preciso no uso genérico em que a expressão vem sendo usada. Continua

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Conheça:
- Experimentando Ciência
- Sete vidas eu tivesse...
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Comentário básico:
Numa sociedade onde se privilegia o ter, no lugar do ser.
Numa sociedade onde optaram pela formação de consumidores, no lugar de cidadãos.
Numa sociedade onde a máxima é: "Consumo, logo existo!"
Numa sociedade onde livros-textos foram trocados por apostilas.
Quem está preocupado de fato com uma educação de qualidade?
Poucos, muito poucos. Raríssimos.

Adelidia Chiarelli