Edição Impressa 170 - Abril 2010
e a antiguidade do boi na capital
Segundo registros, foi em 1685, no Recife, que um mosquito deu uma picada num incauto cidadão e, assim, teria ocorrido o primeiro caso de dengue no Brasil. Hoje, mais de 300 anos depois, em pleno século XXI, um simples mosquito ainda consegue render um país, sinal de que a modernidade brasileira não foi capaz, como esperavam os crentes do progresso de fins do século XIX e início do século XX, de “vencer” o “atraso” representado pelos “animais”. Mesmo numa metrópole avançada como São Paulo. “Naquele período, os animais da cidade passaram por um processo de ‘recolonização’, parte do processo de passagem de um padrão de raízes coloniais para outro com elementos de modernidade, em que o homem redefiniu suas atitudes e relações com os animais, colocando em oposição o ‘couro’, símbolo do animal, e o ‘aço’, o moderno”, analisa Nelson Aprobato Filho no doutorado O couro e o aço: a “aventura” dos animais pelos “jardins” da Pauliceia, defendido no Departamento de História da USP, orientado por Nicolau Sevcenko, com apoio da FAPESP.
“Meu objetivo foi entender os impactos da modernidade sobre os animais da cidade e demonstrar que a modernidade paulista aconteceu em suas dimensões (reais, imaginárias ou simbólicas) graças e a partir dos animais e das atitudes, usos e sensibilidades que o homem passou a adotar sobre eles”, continua. Segundo o pesquisador, com a revolução científico-tecnológica, os animais passaram a ter uma importância inesperada, já que, no processo de emergência das grandes metrópoles, eram para os homens a parte constitutiva de uma “cultura de referências estáveis e contínuas” que, nota o pesquisador, foram dilapidadas com o progresso. “Foi, logo, sintomática a escolha física e simbólica de animais como elementos singulares de experimentação, contraponto e confronto para a justificação ou detração (real ou imaginária) da modernidade paulistana.” Exemplos não faltam, desde o “Ou São Paulo acaba com a saúva, ou a saúva acaba com São Paulo” até a associação, feita por Monteiro Lobato, entre o quadro social nacional e o carro de boi, visto como símbolo do atraso, da lentidão, da rusticidade “antiga” e perniciosa. Não sem razão, uma estatística comparativa, feita em São Paulo, da quantidade de bovinos, equinos, asininos e muares revela que, se em 1905 eles eram 21.606, em 1920 passam para 38.885 e em 1940 chegam a apenas 5.375. No espaço de duas décadas, mais de 35 mil animais desapareceram da paisagem da cidade grande e, mais importante, sumiram da consciência dos cidadãos. Continua