sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Depois da tragédia: o imortal soluço de vida, por Sérgio Abranches

Via Ecopolítica
13.01.2011


Agora estamos no triste momento de contar os corpos na região serrana do Rio de Janeiro. Ontem, no início do dia, eram menos de 200 mortos, no começo do dia de hoje são mais de 350 e o número pode aumentar com o prosseguimento das buscas. Há muito entulho impedindo o acesso das turmas de resgate. Muitas áreas ainda inacessíveis.
Ontem, no final da tarde, escrevi para uma amiga que o número de mortos estava chegando a 250 e poderia passar de 300. Mas a previsão é muito pior. Há áreas muito habitadas completamente soterradas. Muitas casas destruídas, a maioria provavelmente ocupada, por causa da hora. É maior a probabilidade de número muito elevado de vítimas porque são regiões de veraneio que, embora tenham população fixa grande e vida autônoma, têm uma parte significativa das casas ocupada sazonalmente. Estamos na alta estação, portanto com ocupação completa. Só não foi pior, porque não aconteceu no final de semana, quando muitas famílias sobem para suas casas na serra.

Temos que torcer para que não venham mais chuvas intensas porque há partes da serra desestabilizadas. O sistema de convergência do Atlântico Sul, que provoca essa concentração de umidade e as chuvas intensas, está bloqueado por um outro sistema criado pelo diferencial de pressão atmosférica e deve ficar assim por mais quatro dias, segundo os meteorologistas.

As perdas são enormes. Quando se vão os entes queridos, a dor e a saudade são para sempre. Sei como é essa dor. Perdi um irmão ano passado em acidente de carro. A ferida permanece aberta.

Vales inteiros foram arrasados. A infra-estrutura foi muito danificada. Há risco de doenças causadas pelas águas infectadas e pela lama.

Com o tempo…

As feridas da natureza cicatrizarão com o tempo e com elas, a memória coletiva irá se dissipando. A tragédia será lembrada aniversariamente. Depois, nem isso. Ela sairá da pauta da mídia tão logo cessem as buscas e se tenha uma contagem final de mortos e desaparecidos. Depois, uma ou outra suíte, se não houver notícia mais quente para tomar-lhe o lugar. Depois, silêncio. Até a próxima tragédia. Ficará, para muitos, somente “o imortal soluço de vida”, como disse Drummond em “Os mortos de sobrecasaca”, que rebenta das páginas da memória. Continua