terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um museu de grandes novidades - Entrevista com Tadeu Chiarelli

Via Itaú Cultural
Janeiro de 2011
Por Marco Aurélio Fiochi
Foto André Seiti




O diretor do MAC/USP fala sobre as novas instalações do museu






O tempo não para, e depois de 48 anos o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), um dos mais importantes da capital paulista, está prestes a mudar de casa. Ele passa, ainda neste primeiro semestre, a ocupar o prédio do antigo Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran), integrante do conjunto arquitetônico do Parque do Ibirapuera, porém apartado deste pela Avenida 23 de Maio. A mudança é audaciosa. Para tanto, o imponente edifício de 29,9 mil m2, projetado por Oscar Niemeyer num terreno de mais de 44,3 mil m2 e inaugurado em 1954, enfrentou mais de dois anos de reforma, bancada pela Secretaria de Estado da Cultura. Na nova sede, segundo o diretor da instituição, o crítico e historiador da arte Tadeu Chiarelli, será possível mostrar de forma permanente quase todo o acervo, que conta com cerca de 10 mil obras, de vários formatos, dos períodos moderno e contemporâneo no Brasil e no exterior. Curador de renome na arte brasileira e professor titular da universidade, Chiarelli fala, nesta entrevista, concedida no canteiro de obras, do futuro do museu e ressalta o aspecto simbólico da mudança: "Vamos devolver ao público aquilo que é público. O MAC hoje só mostra 1% de sua coleção. Serão seis andares de arte e um anexo, um espaço magnífico".

Por Marco Aurélio Fiochi | Fotos André Seiti

Para sua carreira, o que representa ser nomeado diretor do MAC? Como se deu esse processo?
Existe uma norma na USP na qual só podem ser diretores dos museus da universidade os professores titulares, profissionais que já teriam percorrido toda a trajetória universitária. Na época da nomeação [em abril de 2010, para um período de quatro anos] eu havia acabado de fazer o exame de titularidade. O profissional que segue a carreira acadêmica é fundamentalmente um servidor público e deve se preparar para assumir as atribuições que vão aparecendo. Assumir o MAC é a responsabilidade máxima de um professor ligado à história e à crítica da arte. Mesmo se tivesse outros planos, não poderia me furtar a aceitar. Ainda mais num momento tão crucial quanto este. Tenho a honra de ter colegas que desenvolvem seu trabalho há muitos anos, como as docentes Cristina Freire [vice-diretora], Helouise Costa [coordenadora da Divisão de Pesquisa em Arte - Teoria e Crítica] e Ana Magalhães [membro do Conselho Deliberativo], entre outros. É uma equipe de altíssima qualidade, o que aumenta meu compromisso. Tem sido importante conviver com esses profissionais e discutir os rumos do museu. Uma experiência que vai ter frutos significativos.

O MAC está dividido em três espaços [dois na USP e um na Fundação Bienal]. Com a mudança para o novo prédio, o que significa reunir esse museu fragmentado?

Com a vinda para a nova sede, espera-se que o museu possa, em primeiro lugar, mostrar o acervo que reúne. Na sede atual, só é possível mostrar 1% da coleção [que conta com cerca de 10 mil obras]. Não é possível apresentá-lo em sua totalidade nem com o potencial que ele tem para a interpretação da arte moderna e contemporânea. Termos um espaço definitivo e tão amplo é fundamental para que a instituição dê prosseguimento à sua missão: com foco no acervo, produzir exposições e desenvolver um trabalho consistente e duradouro com o público. De fato, a fragmentação prejudica muito seu cotidiano. Mas a mudança não significa que o MAC deixará a universidade. Não podemos perder a interlocução com o campus. Manteremos o edifício maior, em frente à reitoria, para aulas e exposições específicas. A outra sala no campus, de menor tamanho, será devolvida à administração, bem como o ambiente no prédio da Fundação Bienal. A sede na Cidade Universitária será o MAC acadêmico. As disciplinas de graduação e pós-graduação [oferecidas como optativas aos alunos da USP], além das atividades nitidamente pedagógicas, serão mantidas naquele lugar.

Como será o novo espaço?

Serão seis andares de arte [as áreas expositivas vão do segundo ao sétimo piso]. No primeiro andar, vai haver um auditório e a parte administrativa. No oitavo, um mirante e um restaurante. Quatro andares serão destinados à exposição permanente do acervo e dois a exposições temporárias. Uma parte, perto dos elevadores, abrigará salas especiais, para exposições monográficas de artistas bem representados na coleção, como Di Cavalcanti, Yolanda Mohalyi. Há outro edifício, o Anexo, também parte do projeto original [com 3.284 m2], um dos mais generosos que existem para a exibição de obras de arte contemporânea. Os artistas vão deitar e rolar! No Anexo, faremos exposições de artistas contemporâneos vivos, que vão produzir para o museu. Ou seja, o conjunto do espaço expositivo é magnífico [com mais de 11,1 mil m2].

O cronograma de exposições sofrerá alterações?

As obras do acervo ficarão no mínimo um ano expostas, com mudanças pontuais, devido a pesquisas dos curadores. É o que chamamos de exposição de longa duração. A ideia é que a coleção fique à disposição do público. Nos anos 1970, quando fui aluno de Walter Zanini, ele falava: "Todo cidadão de São Paulo tem o direito de entrar na Pinacoteca do Estado para ver o Caipira Picando Fumo [pintura de Almeida Júnior, de 1893] quando quiser, pois é um patrimônio público". O único autorretrato que Modigliani pintou é do MAC. Sei que há muitos cidadãos que adoram essa obra e a veem pouco. Quero voltar a fazer o que Zanini fazia na direção do MAC: o quadro do Modigliani tem de estar à disposição para que as pessoas o vejam quantas vezes desejarem. O museu tem de cumprir a função de devolver ao público o que é público. No tocante às exposições temporárias, elas não terão menos que seis meses. Não acredito que se consiga fazer um bom trabalho de formação de público em exposições que duram 40 dias. Como é um museu universitário, o foco na formação do público é visceral. A instituição não tem necessidade de acelerar exposições, não faz parte de seu perfil. Portanto, pode trabalhar a potencialidade das obras. Não vou expor um artista porque tenho espaço, mas, sim, aquele que o conselho do museu considerar importante, sobretudo, ao acervo.

Qual é sua percepção da reação de outras instituições culturais da cidade à ampliação do MAC?

Os colegas na direção de outras instituições paulistanas, que admiro profissionalmente, além de ser meus amigos, como Jorge Schwartz (do Museu Lasar Segall), Teixeira Coelho (do Masp) e Marcelo Araújo (da Pinacoteca), estão bastante entusiasmados. Faz-me muito bem contar com o apoio deles, pois todos, direta ou indiretamente, estão ou estiveram ligados ao MAC. Se pensarmos no circuito como um todo, as pessoas têm muita expectativa sobre o MAC, pois nos anos 1960 e 1970, com a direção do Zanini, o museu tinha uma presença muito significativa na cena cultural e artística da cidade. Artistas e curadores têm um grande carinho pelo museu e imaginam visitas ao acervo para rever obras que há tempos não são apresentadas. As pessoas em geral, quando são informadas de que o prédio do antigo Detran vai ser um museu, se admiram. É um espaço muito importante para a cidade e foi tão malcuidado. A população sente que é uma devolução, pelo poder público, de um patrimônio que estava vilipendiado.

Fale sobre a formação do acervo do MAC.

O acervo do MAC é brilhante, um dos melhores de arte moderna e contemporânea da América Latina. O núcleo original vem da coleção doada por Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado [fundadores do MAM/SP, em 1948] e dos prêmios aquisição das edições da Bienal de São Paulo que foram realizadas até 1962. Nele, há obras extremamente significativas: uma das maiores coleções de arte italiana do período entreguerras, fora da Itália, está no MAC. A obra mais antiga é de Giacomo Balla, uma pintura de 1906, e há obras fundamentais de Modigliani, entre outros. A parte modernista internacional do acervo está muito bem representada, bem como a modernista nacional da primeira metade do século XX, com Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, que estabelecem um diálogo muito potente. Outra parte importante é a coleção de arte dos anos 1960 e 1970. Walter Zanini [diretor entre 1963 e 1978] foi fundamental ao museu, pois trabalhou as vertentes conceituais do acervo. Ele comprava ou ganhava obras que são disputadas por museus internacionais. Mas o público não conhece aprofundadamente esse núcleo, fundamental para entender a arte contemporânea. Temos outro segmento muito importante, de arte dos anos 1980, que foi configurado com Aracy Amaral [membro do Conselho Administrativo de 1980 a 1982]. Cada diretor do museu cuidou de diferentes aspectos dessa grande coleção. Outras bastante significativas, como parte da Cid Collection, a coleção do extinto Banco Santos, está sob a guarda do museu.

Como você vê esse acervo no futuro?

Eu e os curadores já começamos a mapear as lacunas e a projetar a expansão da vertente contemporânea. É um museu de arte contemporânea, então tem de dialogar intensamente com a produção atual. Na inauguração, junto com a exposição do acervo, faremos uma com artistas brasileiros muito jovens, para demonstrar que, além de trabalhar seu acervo, o museu não deixa de pensar nas obras mais recentes que quer adquirir. O museu não está aberto a ofertas. Vamos escolher aquilo que interessa para expandir e referenciar a coleção. Essa é a política de aquisições.

O que está sendo planejado para as áreas técnicas do museu?

O MAC sempre primou pela qualidade e sofisticação do trabalho que desenvolve na conservação e no restauro de suas obras. Na sede do campus há um laboratório em que trabalham especialistas. São salas projetadas para guarda, preservação, estudo e restauro das peças. Isso será reproduzido na nova sede. Além da reforma, está sendo construído um edifício defronte ao Anexo, para abrigar as áreas técnicas [que compreendem reservas e laboratórios de conservação, em um espaço de 3.983 m2] e manter a qualidade da sede atual. Apenas parte do mobiliário será transferida para esse prédio, pois cerca de 90% dos equipamentos serão comprados para manter o padrão e para que se trabalhe com tecnologia mais avançada. Na reserva técnica laboratorial será possível ministrar aulas, e os alunos dos cursos do MAC terão um contato mais próximo com as obras.

Há algum estudo para facilitar a chegada do público ao museu? A entrada passará a ser cobrada?

Manteremos a gratuidade da visita. Quanto à acessibilidade, ela já foi pensada. Há três entradas para o edifício. Quando inaugurado, o público poderá entrar pela passarela [Ciccillo Matarazzo, que atravessa a Avenida 23 de Maio, ligando o parque ao edifício], que será reformada. Nesse caso, a pessoa que estiver passeando no Ibirapuera poderá atravessar a passarela e visitar o museu. Será possível entrar e sair do espaço como se a pessoa estivesse num parque, numa praça pública. A ideia é integrar ao máximo o MAC ao Ibirapuera. Haverá um jardim de esculturas no entorno do prédio [com cerca de 16 mil m²] em que o visitante pode passear, descansar. O estacionamento [na Rua Dante Pazzanese] será outra entrada. A terceira entrada será pela Avenida 23 de Maio.

Como você vê a inserção do MAC no circuito dos grandes museus latino-americanos?

O edifício do novo MAC não foi pensado para ser museu [o Palácio da Agricultura foi construído para abrigar a secretaria estadual voltada a esse setor]. Ele está sendo adaptado. Mas não é qualquer construção. É um prédio projetado por Oscar Niemeyer no melhor momento de sua arquitetura e também da produção arquitetônica brasileira, o início da década de 1950. Isso é muito simbólico. A construção é um grande monumento. Esse é o primeiro diferencial do museu. Ele já vem imantado pela excelência do autor do projeto e pela qualidade do resultado. Dessa forma, uma das principais obras do MAC é o edifício em que será implantado. Acho que quando o novo MAC estiver operando se igualará a museus como o Malba, o Masp e a Pinacoteca do Estado. No tocante à coleção internacional, ele ombreia o Masp, embora este tenha mais obras e peças mais antigas. O Malba tem mais artistas latino-americanos, porém o MAC não está limitado a essa região. Ele está no mesmo patamar de qualidade dos museus do continente.


Informação básica:
Na página de onde foi retirada esta entrevista, tem um pequeno box que nos leva às fotos do novo Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.


Adelidia Chiarelli