sábado, 15 de janeiro de 2011

Vamos reconstruir o palco para a próxima tragédia?

Via ECOPOLÍTICA
Por Sérgio Abranches
14.01.2011


As tragédias associadas a fenômenos naturais é que elas são previsíveis e evitáveis. Basta comparar as mortes no Rio e na Austrália. Mas o pior é que, como são resultado da ação humana e quando decorrem dos erros de políticas públicas, elas se repetem, frequentemente em escala ampliada.
No Brasil o comportamento dos políticos é ainda mais previsível, que os fenômenos naturais. Seguem sempre o mesmo script. Viagem aos locais da tragédia. Rostos compungidos. Entrevistas que entremeiam manifestações de solidariedade e promessas categóricas… Até o próximo evento.

Mitigar os efeitos dos eventos naturais extremos previsíveis é parte de sistemas eficientes de prevenção de desastres. Deve-se partir do princípio de que a natureza seguirá seu curso. Se contrariamos esse curso, pagamos o preço. Muitas vezes com a vida das pessoas surpreendidas pela falta de ação pública, prevenção e informações sobre riscos em suas regiões. No caso da região serrana do Rio de Janeiro, com as mortes passando de 500 e com tendência a aumentar – nem se sabe o número de desaparecidos – até o alerta meteorológico estava errado.

O texto não era de um sistema de alerta de risco. Era uma nota burocrática, redigida em termos que não criam sentimento de urgência. Não indicava com clareza que havia perigo iminente de grandes volumes de água, enchentes, etc… Espera-se que o sistema em projeto no Ministério da Ciência e Tecnologia leve em consideração a necessidade de boletins que assumam a responsabilidade de sinalizar perigo iminente de forma direta e clara. É melhor remover população e não ter enchente, do que não remover, vir a enchente, e se ter uma catástrofe como esta. É óbvio que a informação que interessa é a existência de possibilidade de chuvas muito fortes. Chuvas moderadas não requerem alertas. Quando se cria essa margem de segurança para quem alerta, que vai de “moderado a forte”, qual o resultado? Aposta-se no moderado. Sistemas de alerta e prevenção não adotam meias palavras, nem “burocratês”, trabalham com o pior cenário e linguagem clara e direta. Se o risco diminuir faz-se outro boletim. É assim com os sistemas de alertas de tornados, furacões e tsunamis, por exemplo.

É claro que os prefeitos erraram em não considerar a possibilidade de chuvas fortes e, quando dizem que não tiveram tempo para tomar providências, estão dizendo que: a) suas prefeituras não têm sistema de prontidão; b) não levaram a sério a possibilidade de uma calamidade; c) não sabem agir preventivamente, nem mesmo quando alertados.

Houve erros dos dois lados. Erros têm que ser apontados, as responsabilidades têm que ser registradas. No mínimo para aprendermos com eles. Quando, nesses momentos, os políticos dizem – faz parte do script – que não é hora de identificar culpados, estão querendo um álibi para erros repetidos, má gestão, omissão. E por não se falar em culpas, responsabilidades, erros, as tragédias se repetem.

Há dois cenários possíveis para depois da tragédia: “fica tudo como era e a tragédia se repete piorada” ou “mudança radical e as tragédias serão minimizadas”. Eu gostaria de considerar o segundo mais provável, mas o primeiro se impõe pela observação da história remota e recente.

Houve algumas mudanças de nota desta vez. A presidente Dilma Rousseff não transformou a ocasião em palanque para atacar os antecessores dela e de Lula e fazer longo auto-elogio. Ficou no limite do tolerável no auto-elogio. Mas, reconheceu erros. Pode-se depreender de suas declarações que a tragédia resulta de falhas de governança. Decorre de erros de “longas décadas”, inclusive do governo Lula, que passou por tragédias similares e não promoveu mudanças estruturais necessárias. Tanto que a catástrofe se repetiu em escala ampliada.

A presidente falou da necessidade que a política habitacional crie alternativa para quem mora em áreas de risco. Disse que o Minha Casa, Minha Vida faz isto. Não consigo ver nem na formulação, nem na implementação do programa, prioridade para quem efetivamente vive em áreas de risco. O governador Sérgio Cabral informou durante a coletiva que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, contabilizou 18 mil famílias vivendo em áreas de risco na cidade. Mas onde está o critério para que a política habitacional permita a remoção dessa famílias para moradias de melhor qualidade, em áreas seguras? E as políticas habitacionais para as populações de regiões de risco de outras localidades? Desenhar um programa para populações de renda baixa e média, não é o mesmo que acoplar um programa habitacional a uma estratégia de mitigação de riscos de desastres associados a eventos climáticos extremos e de adaptação das cidades e populações a um quadro futuro de risco recorrente e crescente. Mas repetiu-se também a listagem de ações que nada têm a ver com o caso, como exemplos de que agora os governos estão agindo diferente. Ou não estão ou o que fazem de diferente é muito pouco ainda.

Confesso que tenho dificuldade em acreditar que o governo adotará uma política estrutural de mitigação de desastres e adaptação do ambiente construído aos fenômenos naturais extremos que se tornarão mais frequentes e mais intensos. Ela não é compatível nem coerente com seu comportamento mais geral:

de complacência e cooperação com a tentativa de alterar o código florestal;
de planejar encher a Amazônia de barragens para hidrelétricas discutíveis econômica e energeticamente e condenadas no plano ambiental, como Belo Monte e outras ainda no papel.
que sequer analisa a fundo a dinâmica hidrológica da região e suas cruciais interações ecossistêmicas – ou seja seu papel na preservação e reprodução da floresta, da biodiversidade e do sistema de umidade da região, antes de planejar represar os rios, alterar seu curso e a lógica natural das vazantes e cheias que caracterizam a região;
que vê com naturalidade o desmatamento que será causado por essas hidrelétricas e pelas rodovias com que pretende cortar a Amazônia;
que trata o Cerrado como área de expansão produtiva;
que promove a transposição das águas do São Francisco na marra, contra a opinião praticamente unânime da ciência brasileira;
que insiste em explorar petróleo na zona de amortecimento do parque de Abrolhos, tendo outras áreas, de menor impacto ambiental severo para explorar.

O roteiro previsível da política é claro. As promessas não serão cumpridas e serão reiteradas, como novas, na próxima tragédia. As cidades serão reconstruídas tal e qual eram antes da tragédia, sem considerar o impacto doloroso dos erros da construção devastada porque estava no caminho das águas. As cicatrizes não serão reconhecidas pelo que são: informação sobre os erros da ocupação das cidades. Não haverá redesenho urbano, criando um novo traçado, mais compatível com o comportamento previsível da natureza. Não haverá remoção de população. A recomposição da fisionomia conhecida das cidades será um sinal para que a população volte a ocupar as mesmas áreas, acreditando que uma catástrofe não ocorre duas vezes no mesmo lugar. Ocorrerá tantas vezes quanto o volume dos rios e de água descendo os morros rumo aos canais dos rios nos vales aumentar acima do limite das calhas do período de vazante. As cidades são desenhadas nos limites das vazantes, quando deveriam respeitar as áreas de expansão natural do período das cheias.

Isto significa fazer o contrário do que propõe a revisão do Código Florestal à qual o governo é simpático: proteger várzeas, refazer matas ciliares com largura suficiente para, além de evitar a erosão dos rios, servirem de zonas de amortecimento das cheias; reflorestar e desocupar encostas; reflorestar e desocupar o topo dos morros.

Nas áreas urbanas, significa recriar áreas verdes nas margens dos cursos d’água, criar sistemas de acomodação das águas de rios “retificados” e canalizados, que se tornam condutores de alta velocidade das águas das cheias. “Retificar” não significa sempre “consertar”, mas é sempre “tornar reto o que é curvo ou torto”. Em quantos planos governamentais não se lê “retificar o cursos dos rios e córregos”. Significado real: canalizá-los em linha reta, criando condições para o fluxo desimpedido, mais volumoso e em maior velocidade de águas, que ficam sem possibilidade de se espraiar pelo terreno para serem naturalmente absorvidas pela vegetação e pelo terreno permeável. Isso porque não há matas ciliares e a área de expansão foi impermeabilizada, ou seja, cimentada, concretada ou asfaltada.

Em poucas palavras, para haver mudança efetiva, ela tem que ser radical. Tem que mudar o paradigma das políticas públicas no Brasil: ambiental, florestal, urbana. As prioridades têm que mudar. Saneamento tem que vir na frente de gastos com rodovias. O sistema de previsão e mitigação de desastres tem que ser acompanhado de novas premissas para os programas habitacionais, de mobilidade urbana e de ocupação territorial. A presidente Dilma disse em sua entrevista que o programa habitacional do governo não incentiva a ocupação de áreas de risco. Precisa fazer mais. Deve induzir a desocupação das áreas de risco. Todos os programas federais associados a intervenções urbanas – lixo, habitação, saneamento, mobilidade – deveriam ter embutidos incentivos à mudança do padrão de ocupação urbana. O governo federal não tem atribuição em algumas áreas, mas tem um grande poder de indução. Isso não exime de responsabilidade os governadores. Deveriam fazer o mesmo. Redefinir todas as políticas para que fossem orientadas por uma concepção nova de segurança ambiental, climática, sanitária e urbana. Governos estaduais também têm grande poder de indução em suas áreas de atuação. Os governos municipais deveriam ser incentivados a repensar inteiramente sua ação, passando a cuidar prioritariamente da segurança e do bem-estar de suas populações. Hoje, a expansão urbana, ainda que desordenada, interessa aos prefeitos: aumenta receita e votos. E reduz proporcionalmente a qualidade de vida e a segurança das populações.

Difícil apostar no cenário de mudança. Ainda achamos que mudança é crescimento do PIB. Que ele resolve a pobreza e a insegurança. E para crescer o PIB é preciso encher a Amazônia de hidrelétricas, etc. etc.




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