09.01.2011
Uma das vítimas de Brasília é a semântica. O sentido das palavras está sob constante ataque.
A ofensiva começa quando chamam o aglomerado de partidos que orbitam ao redor do governo de “coalizão”.
A platéia se divide em duas. Uma parte acha que está diante de uma crise de significado. Outro pedaço enxerga uma roda de cínicos.
No instante em que apelidam a guerra por cargos de esforço pela “governabilidade”, a artilharia atinge sua fase terminal.
A audiência, então, unifica-se. Percebe que, em Brasília, qualquer coisa quer dizer qualquer coisa. Ou, por outra, o significado perde o significado.
Em artigo veiculado na Folha, o repórter Elio Gaspari ilumina a ação da infantaria antisemântica num setor específico: a pasta da Saúde. Eis o texto:
"O Ministério da Saúde precisa de uma Unidade de Polícia Pacificadora. Logo num setor ao qual doutora Dilma prometeu prioridade instalou-se uma briga digna do Morro do Alemão.
Facções petistas consumiram a primeira semana de governo trocando tiros com o comando do PMDB pelo domínio da área.
No centro do conflito estão dois pontos, a Secretaria de Atenção à Saúde e Fundação Nacional de Saúde.
Um cidadão desatento poderia supor que a divergência envolve concepções antagônicas de políticas públicas. Infelizmente não é esse o caso. Envolve verbas, e só verbas.
A SAS tem um cofre com R$ 45 bilhões. O da Funasa é de R$ 5 bilhões. Isso, para não se falar na briga pelos teclados reguladores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
O novo ministro, Alexandre Padilha, é um médico infectologista, com doutorado no comissariado petista.
Como secretário de Relações Institucionais do governo anterior deixou no Congresso a memória de um negociador que opera o varejo com a musculatura de um estivador do atacado.
O doutor Padilha assumiu com um discurso de 9.000 palavras no qual consumiu 1.600 num blá-blá-blá de saudações.
Prometeu a criação de um desejável indicador para que se possa medir a eficiência dos serviços de saúde pública, mas ficou devendo os detalhes. Até porque disse coisas assim:
‘Acredito, inclusive, que este indicador não precise ser de níveis de gestão, ele pode ser de níveis de gestão’.
Ou ainda: ‘A contradição é que o SUS é ainda uma referência de modelo de pactuação e estruturação, de uma política pública interfederativa para outros sistemas’. Madame Natasha teme que tenha surgido uma nova moléstia, o padilhês.
Se o comissário quer criar um indicador a partir do qual se possa avaliar a qualidade do serviço da sua pasta, poderia começar contando o que aconteceu com o Cartão SUS.
Trata-se de uma herança maldita tucano-petista que torrou R$ 400 milhões prometendo um plástico para cada cidadão capaz de conectá-lo ao seu histórico médico.
Se quiser evitar a discussão do que se fez de errado, pode contar o que pretende fazer de certo”.
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