JC e-mail 4094, de 13 de Setembro de 2010.
Se criança votasse, o país seria outro, artigo de Dioclécio de Campos Júnior
"A prioridade da infância merece cláusula constitucional. Assegurar creche e pré-escola de qualidade, em tempo integral e em número suficiente para toda a criançada há de ser dever do Estado"
Dioclécio de Campos Júnior, Médico, professor titular de pediatria, foi presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. Artigo publicado no "Correio Braziliense":
Criança não vota, por isso vale pouco para os candidatos. Quase nada. Só serve como pequeno figurante das imagens de campanha. Recebe beijos, sorrisos, abraços e afagos de políticos treinados por competentes marqueteiros. Mantém, contudo, a autenticidade da alma infantil. Não retribui porque percebe a artificialidade do gesto, a frieza do olhar, a bradicardia da emoção profissional.
O único personagem que mostra seriedade em fotos de propaganda eleitoral é a criança. Só ela não sorri. Não vê graça alguma na encenação de que participa sem ser consultada. Na maioria das vezes, não esconde a reação de susto, quase medo. Usada para atestar a sensibilidade humana do candidato, não faz a dobradinha correspondente. Revela equilíbrio. Não se deixa envolver pelo clima de falsa alegria e jargões do profissionalismo eleitoral que não respeita a infância.
A criança está muito próxima da fonte da vida, bem distante da aridez ética inspiradora dos embates e embustes que disputam o poder. Sua sintonia é outra. Afina-se aos acordes infinitos da melodia cósmica, o som do amor universal. Pulsa na frequência da espontaneidade sem limite. Labora na divisa do original, pressuposto inefável do ser, atributo da existência que faz sentido. Exterioriza um contraponto comportamental que não se pode mais ignorar, sob pena de a sociedade desaparecer no superficialismo das aparências, no engodo da simulação, no espectro desolador do atraso.
Eleição deveria ser momento mais respeitoso para toda sociedade que se pretende civilizada. Em nenhuma outra ocasião os políticos são forçados a lembrar que as pessoas existem, a debruçar-se um pouco sobre os problemas que as afetam, procurar ouvi-las, prometer tudo o que reivindicam. Curvam-se ao poder potencial do voto, o único exercido de fato pelo povo.
O aprimoramento contínuo do processo de sucessão democrática supõe infância viva, bem cuidada, saudável, educada. É a fonte que dá origem às gerações de eleitores e candidatos em constante renovação. Não pode ser exaurida, muito menos turvada a limpidez dos fluidos virtuosos que jorram de suas nascentes. Sem ela democracia é abstração.
Se suas necessidades não integrarem os compromissos dos candidatos, a consciência dos eleitores e a seriedade das candidaturas continuarão sempre aquém do esperado. Ficará neutralizada a evolução política do eleitorado, requisito maior da capacidade transformadora contida no poder do voto. Continua