Os homens são bem mais interessantes do que os heróis – ou os santos
“Não quero que publiquem que eu sou santo. Não sou. Estou cansado que me carreguem no colo, que puxem meu saco. Não encontro textos sérios: ou inventam mentiras para me esculhambar, ou exageram em coisas que não existiram para me transformar num super-homem. Não sou nem uma coisa nem outra. Gostaria que você fizesse um texto ‘científico’ sobre mim, contando as coisas como elas são”.
Esta fala é de Luiz Inácio Lula da Silva e foi transcrita na introdução de sua biografia – Lula - o filho do Brasil (Perseu Abramo) –, escrita pela jornalista Denise Paraná. No surrado sofá vermelho do pequeno apartamento de Denise, então uma estudante vivendo com o dinheiro da bolsa de doutorado em História, na Universidade de São Paulo (USP), Lula contou a extraordinária história de sua vida em encontros que totalizaram cerca de cem horas de entrevistas, entre os anos de 1992 e 1994. Ao contá-la, pronunciou umas duas centenas de palavrões que foram limados da edição da Fundação Perseu Abramo, publicada no final de 2002, ano da primeira eleição presidencial vencida por Lula, depois de três derrotas. A primeira publicação da obra é de 1996.
A biografia, elaborada com os critérios da história oral e apresentada na forma de entrevistas com Lula e seus irmãos, é irretocável. Ao contar a história de Lula de 1945 a 1980, do nascimento no sertão pernambucano à liderança das greves no ABC paulista, Denise Paraná compreendeu que a riqueza do homem era sua complexidade. Foi respeitosa com todas as contradições do retirante sertanejo, operário e líder sindical que se tornaria o presidente mais popular da história recente do Brasil. Como o próprio Lula pediu, ao aceitar contar sua vida, o retrato traçado no livro é fascinante, mas decididamente não é nem o de um herói, muito menos de um santo. Continua