segunda-feira, 2 de maio de 2011

A triste realidade retratada pelo filme ‘Amor?’, que aborda limites entre amor e agressão

Via EcoDebate
02.05.2011

“Eu achava normal quando era um beliscão. Depois, quando começou a puxar meu cabelo, pensei: ‘Se eu casar com ele, me mata’.” Aos 14 anos, Cláudia (o nome é fictício) começara a namorar um rapaz mais velho, extremamente ciumento. Um dia, quando a viu conversando com um surfista na praia, o namorado agarrou sua cabeça e a enfiou na água, num “caldo” de intermináveis segundos, enquanto ela esperneava, submersa, acreditando que ia morrer.

Vítima de violência do pai desde a infância, Cláudia ficava impotente diante das agressões e tendia a acreditar que “faziam parte do amor”. “O fato é que o meu pai me batia, então, até que ponto eu poderia interpretar um tapa, um aperto forte no braço, um beliscão, um puxão de cabelo como um “não gostar”?”, questiona. Reportagem de Cristiana Vieira e Rosângela Rezende, em O Estado de S.Paulo.

O primeiro ato de libertação ocorreu aos 18 anos, quando já desenvolvida fisicamente, respondeu aos insultos do pai e o agrediu. O segundo, anos depois, quando, ao bater no filho de 3 anos, percebeu que estava repetindo o ciclo trágico de sua família também levado adiante por seu irmão – que espancava mulher e filhos. “Prometi neste dia que nunca mais bateria e que só o colocaria de castigo”, lembra-se. No entanto, ainda hoje, uma pergunta a atormenta: “Qual a fronteira entre amar uma pessoa e querer matá-la?”

O caso acima é uma das oito histórias verídicas envolvendo amor e violência relatadas no filme Amor?, do cineasta João Jardim, em cartaz em São Paulo. O filme lança luz sobre o tema da violência doméstica, especialmente contra a mulher, uma realidade presente em milhões de lares brasileiros e considerada uma preocupação para 56% das mulheres brasileiras, segundo pesquisa do Ibope e do Instituto Avon, realizada em 2009.

Dependência – Calcula-se que, no País, metade das mulheres agredidas sofra sem pedir ajuda. Os agressores são maridos, companheiros ou ex-companheiros. Entre as que não denunciam, as razões são: dependência financeira (24%), medo de serem mortas caso rompam a relação (17%) ou vergonha de admitir a agressão (8%).

Com base na experiência de 20 anos à frente da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, em São Paulo, a delegada Celi Paulino Carlota identificou uma trajetória comum entre os casos que chegam à polícia. A primeira fase da violência é falar alto e perder o respeito. Depois vêm as ofensas morais e o empurrão. Daí, para o pior. Muitos agressores se arrependem, prometem mudar, dão presentes e, assim, convencem a mulher de que tudo ficará bem. Ledo engano. O ciclo se repete e a violência volta com mais intensidade. “O erro é dar mais uma oportunidade, mas a ameaça pode ser concretizada e isso pode levar à morte”, avalia a delegada.

Legislação – Graças à Lei Maria da Penha (leia texto ao lado), a violência doméstica contra a mulher deixou de ser um crime de menor poder ofensivo. E, com a maior divulgação do tema, as denúncias estão crescendo. Houve aumento de 123% no número de queixas à Central de Atendimento a Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), na comparação entre 2009 e 2010.

Além de penas mais rigorosas, houve ganhos de agilidade. O processo, que antes passava por dois juízes, atualmente é resolvido por um só. “A delegacia tem 48 horas para enviar o processo para o juizado e, este, 48 horas para responder. O mesmo juiz que vai julgar a lesão também vai afastar o agressor do lar”, explica a delegada Celi. A lei prevê a saída do agressor de casa, proteção dos filhos, distância mínima
entre eles e, em casos extremos, abrigo para a mulher.

Não bastasse todo o trauma, a violência doméstica também tem um custo social. Segundo dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, um em cada cinco dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas. A instituição estima que o custo total da violência doméstica varia de 1,6% a 2% do PIB de um país. Continua