sábado, 26 de outubro de 2013

As trincheiras do HIV


JC e-mail 4842, de 25 de outubro de 2013
As trincheiras do HIV


Estudo mostra que reservatórios de vírus latentes no corpo podem ser 60 vezes maiores do que imaginado

Nos últimos anos, o desenvolvimento de novos medicamentos antirretrovirais e sua combinação em coquetéis conseguiram praticamente interromper a replicação do HIV em muitas pessoas infectadas pelo vírus, livrando-as dos piores sintomas da Aids. Mas a cura definitiva da doença continua a escapar do alcance da medicina graças à capacidade do HIV de se "esconder" dentro das células do sistema imunológico, entrincheirando-se em reservatórios de vírus latentes que podem se reativar e voltar a se espalhar pelo organismo caso o paciente pare de tomar os remédios. E este obstáculo acaba de aumentar, com um novo estudo mostrando que o tamanho destes reservatórios pode ser até 60 vezes maior do que se imaginava.

Em pacientes infectados com o HIV, o vírus ataca as células T do sistema imune, integrando seus genes ao DNA delas para criar estruturas chamadas "provírus", que as instruem a se tornarem verdadeiras fábricas do vírus se forem ativadas. Mas em algumas destas células esta instrução não é dada, e as fábricas ficam inativas. E embora os antirretrovirais atuais ataquem com eficiência as células T e formas ativas do vírus, ainda não há remédios capazes de eliminar estes provírus nas inativas.

Até agora, para avaliar o tamanho destes reservatórios, os pesquisadores recorriam a duas abordagens: ou forçavam todas as células T a se ativarem ou contavam quantos genomas de virus estavam presentes. Ambas, porém, têm falhas. Na primeira, os cientistas acreditavam que ativar as células T também ativaria todos os provírus latentes, o que nunca tinha sido provado. Já na segunda, a contagem incluía provírus com mutações que os tornavam incapazes de replicar o vírus e, portanto, não representavam uma ameaça. Com isso, as diferenças entre os dois métodos de medição eram enormes, com a segunda indicando a presença de 300 vezes mais provírus inativos que a primeira.

- Para as pessoas que trabalham com o HIV, descobrir o real tamanho de seus reservatórios tem sido uma questão crítica - diz Robert Siliciano, pesquisador da Universidade Johns Hopkins e da Instuto Médico Howard Hughes que liderou o estudo, publicado na "Cell". - A área tem batalhado inclusive com o que consegue medir em pessoas que estão participando em estudos para erradicação. Como vamos saber quantos vírus sobraram?

Para responder à questão, Siciliano e sua equipe adotaram uma abordagem dupla em que analisaram não só o tamanho como a composição dos reservatórios de HIV. Primeiro, eles estimularam as células T a ativarem suas fábricas de produção do vírus, mas então se focaram naquelas em que os provírus permaneceram inativos, analisando o genoma deles. E embora cerca de 88% realmente tivessem defeitos gritantes que os tornavam efetivamente incapazes de replicar o vírus, em 12% o código para sua fabricação parecia intacto. Em seguida, eles clonaram estes genomas, na esperança de que pequenas mutações talvez tivessem impedido sua ativação.

- Para nossa surpresa, porém, estes provírus se replicaram lindamente - conta Siciliano.

Segundo ele, isso sugeriu que estes provírus poderiam se tornar ativos no futuro. E, de fato, quando os cientistas fizeram uma segunda rodada de ativação das células T, algumas das que tinham ficado inativas na primeira passaram a produzir o vírus. Assim, com base nos 12% de provírus aparentemente intactos, eles calcularam que o tamanho dos reservatórios de HIV no corpo dos doentes pode ser até 60 vezes maior do que se estimava antes.

- Os resultados do estudo mostram que encontrar uma cura para a infecção pelo HIV será muito mais difícil do que pensávamos - lamenta Siciliano. - Há muito mais provírus que temos que nos preocupar do que imaginávamos. Isso não quer dizer que não há esperança, mas significa que temos que nos focar em ter uma ideia mais clara deste problema.

(Cesar Baima/O Globo)