Via G1
Por Geneton Moraes Neto
13.10.2013
Artigo 1º : Ah, não. O Brasil já sofreu com a censura federal. Quase três décadas depois da volta da democracia, não pode ficar refém de algo que, na prática, é uma censura privada.
Artigo 2º: O Brasil é o país das meias palavras. Mas chega de eufemismos. ”Autorização prévia” é sinônimo de ”censura prévia”. Com censura prévia, não se faz jornalismo, não se faz história, não se faz nada. Faz-se oba-oba.
Artigo 3º : Em nenhuma outra democracia do planeta, existe algo parecido com a censura prévia a biografias. Pergunta-se: todos os países estão errados e só o Brasil certo? Claro que não.
Artigo 4º: Para que existem leis, afinal? Se alguém se sentir prejudicado por uma biografia, que recorra à justiça. É assim em qualquer lugar do mundo - menos no Brasil, é claro. Por quanto tempo o Brasil vai continuar produzindo esquisitices, exotismos, monstrengos e aberrações como a lei da mordaça biográfica?
Artigo 5º: Alguém já parou para pensar no enorme dano que esta legislação absurda causou à história, à cultura, à vida brasileira? Durante os tais “anos de chumbo”, os livros eram censurados depois de publicados. Hoje, sequer são publicados! Quantas e quantas biografias deixaram de ser publicadas porque esta lei ameaça proibi-las? Quantos e quantos projetos vão mofar no fundo das gavetas? Vergonha vergonha, vergonha.
Artigo 6º: É óbvio que todos os brasileiros, sem exceção, sejam eles anônimos ou famosos, têm direito à privacidade. É garantia da Constituição. Mas a liberdade de informação também é direito de todos. Não foi fácil consegui-la. Não se trata de publicar fofoca pessoal, mas de retratar a história de um país – que passa, sim, por trajetórias pessoais. E liberdade de informação não existe com censura prévia. Nunca existiu. Jamais existirá.
Artigo 7º: Não é uma questão financeira. Nunca foi. É uma questão de liberdade de informação. De qualquer maneira, eis uma curiosidade contábil: ainda não nasceu um autor que tenha ficado rico escrevendo biografias. O autor ganha dez por cento do preço da capa de cada exemplar vendido. A tiragem média no Braasil é de três mil exemplares. Se o autor vender três mil exemplares a quarenta reais cada, vai ganhar 12 mil reais depois de meses e meses de trabalho.
Artigo 8º: A ministra Cármen Lúcia – do STF – vai se pronunciar sobre o caso. O Congresso Nacional também. Ou estamos todos loucos ou nunca houve um caso tão simples:
O Brasil espera que a Justiça e os políticos declarem inconstitucional a censura prévia a biografias. Ponto. Quem cometer algum abuso responderá perante a lei. Isso é o que se chama de civilização. A liberdade é civilizatória. A censura - qualquer que seja- é barbárie.
Artigo 9:º Uma vez, um estudante rebelado pichou num muro da universidade, na França: “E se a gente incendiasse a Sorbonne?”. Simbolicamente, é hora de perguntar: e se o STF e o Congresso incendiassem a lei da mordaça biográfica? Com toda certeza, o Brasil iria amanhecer melhor no dia seguinte.
PS: Texto levado ao ar no Jornal das Dez – da Globonews – no dia 12/10:
PS2: A discussão sobre a Lei da Mordaça Biográfica ficou centrada nos artistas que apoiam a manutenção desta aberração. Mas o problema maior não é a biografia de artistas. O problema maior é o seguinte: hoje, se um autor brasileiro quiser publicar - por exemplo - a biografia de um ditador, um torturador, um corrupto, terá de pedir autorização aos próprios – ou aos herdeiros. Risível. Estúpido. Indefensável. É óbvio que tal autorização jamais será dada. Neste caso, a censura estará instalada. A palavra maldita volta à cena: censura, censura, censura. Como alternativa, a publicação será “negociada”, o que é uma vergonha. Tudo será tratado como uma questão financeira. É o tal “comércio da honra” a que se referem os editores de livros. Quem sai perdendo? O Brasil. Defender a manutenção da mordaça biográfica é, em última instância, defender a manutenção de um atentado contra o jornalismo e a história - ou imaginar que os biógrafos brasileiros são um bando de picaretas irresponsáveis que entopem os bolsos de dinheiro às custas de escândalos. Não são. Nunca foram. As biografias publicadas nos últimos anos foram, em geral, trabalhos de alto nível jornalístico. O triste, o lamentável é imaginar a quantidade de biografias importantes que deixaram e deixarão de ser escritas e publicadas, se o STF ou o Congresso não derrubarem a mordaça. Tristes trópicos.
Ministra Cármen Lúcia: a senhora poderá fazer história – para o bem ou para o mal. Tomara que não escolha o caminho maldito – o da manutenção de uma aberração jurídica que abre espaço para o silêncio e a censura. Senhores deputados: não decepcionem – de novo – a plateia !