terça-feira, 29 de outubro de 2013

Neurocientista põe em xeque o inconsciente de Freud


JC e-mail 4843, de 28 de outubro de 2013
Neurocientista põe em xeque o inconsciente de Freud


Autor do best-seller "O andar do bêbado", Leonard Mlodinow questiona importância de psicoterapia


Professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia e autor de "Uma outra história do tempo" (com Stephen Hawkins) e do best-seller "O andar do bêbado", Leonard Mlodinow fala sobre o novo inconsciente revelado pela neurociência e apresentado em seu último livro "Subliminar" (Ed. Zahar): sem memórias e impulsos reprimidos como o de Sigmund Freud.

Qual a diferença entre o antigo inconsciente, proposto por Sigmund Freud, e o novo inconsciente, da neurociência?
Freud estava certo, de uma maneira bem geral, quando afirmou que o inconsciente é muito importante e influencia tudo o que fazemos sem que nos demos conta. Mas outras coisas mais específicas propostas por ele não parecem ter nenhum suporte das evidências científicas que temos levantado nos últimos anos. A principal diferença, que os cientistas começaram a notar nos anos 90 e 2000, é que a mente inconsciente não é algo que se acessa com psicoterapia ou introspecção. Não é algo que está escondido de nós por razões emocionais.

O que é, então, a nova mente inconsciente?
É uma parte da mente que não é acessível por conta da própria arquitetura do cérebro e da forma pela qual o cérebro funciona. O cérebro evoluiu para operar de uma forma automática, muito rápida e sem esforço, ideal para nos ajudar a sobreviver na selva, a reagir com rapidez a possíveis ameaças. Se ficássemos pensando no que fazer ao avistar um animal selvagem, seríamos facilmente mortos. Por isso, há reações (como, no caso, fugir) que nos vêm automaticamente, sem que tenhamos que ficar ponderando (e perdendo tempo).

Como assim?
Olhamos para o mundo e nossa mente inconsciente nos responde imediatamente: posso confiar nessa pessoa? devo fugir desse animal? Normalmente nem percebemos, só agimos automaticamente. Isso é muito diferente do inconsciente de Freud, que esconderia memórias e impulsos indesejados. A neurociência mostra que não é por isso que o cérebro reprime determinadas coisas; não é assim que funciona. A memória retém aspectos-chave das coisas e quando precisa lembrar de algo, aciona a mente inconsciente para preencher as lacunas. Algumas vezes erroneamente, diga-se. São as memórias falsas, criadas a partir de expectativas do momento.

O que são as memórias falsas?
Acreditava-se que a memória era como um vídeo (um registro da realidade) que vai ficando com muita estática, falhando, conforme envelhecemos. Não é assim. Podemos ter memórias vívidas de coisas que nunca aconteceram. Ilusões óticas.

Por quê?
A mente inconsciente lida melhor com coisas complexas do que a mente consciente. Por isso é que é bom dormir sobre um problema, como se diz. Ou ir tomar banho, correr, fazer alguma outra coisa, antes de tomar uma decisão, por exemplo. Agora, temos que entender que o cérebro se desenvolveu para tomar outros tipos de decisão (como lutar ou correr, conseguir alimentos) e, hoje, enfrenta decisões sociais muito mais complexas. Por isso, ele pode ser objeto de ilusão. É importante estarmos cientes de que ele pode nos levar a erros. Quando julgamos uma pessoa pela aparência, por exemplo, é bom estarmos atentos.

O preconceito racial, por exemplo, pode ser fruto da nossa mente inconsciente?
Existem dois tipos de preconceito: o deliberado, que hoje é menos prevalente, e o inconsciente. Neste último tipo, a pessoa realmente acha que não é preconceituosa; há casos, inclusive, em que ela pode até ser militante daquela causa. Mas testes detectam que há preconceito. Estudos mostraram que mesmo negros acabam fazendo associações raciais negativas inconscientes. Somos bombardeados por imagens negativas e estereotipadas de mídias como TV, cinema e internet. E a nossa mente inconsciente tende a generalizar para simplificar.

Por que é tão importante para o ser humano fazer parte de um grupo, como o senhor mostra?
Não sei se posso responder por quê. Mas, na savana, vivíamos em bandos. E esses bandos eram competitivos entre si: há aqueles que estão do seu lado e os que estão contra você. Ou você come ou ele come. Então o espírito de equipe foi algo muito importante na evolução humana para garantir a nossa sobrevivência e a do nosso grupo. Mas o mais incrível é que os neurocientistas descobriram que mesmo quando somos agrupados de forma totalmente aleatória (por exemplo, o grupo que escolheu números pares e o grupo que escolheu números ímpares) tendemos a discriminar quem está no outro grupo sem nenhuma base razoável para tal. Bom, os fanáticos por futebol sabem disso muito bem.

O senhor afirma no livro que o ser humano costuma se ver de forma mais positiva do que ele é na realidade. Por que isso é importante?
Porque a vida é muito dura e, mesmo assim, seguimos em frente. Temos que acreditar nos nossos talentos, nas nossas capacidades para ultrapassar todos os obstáculos que irão surgir inevitavelmente. A visão otimista de si mesmo ajuda nisso. Na verdade, a neurociência vem mostrando que aqueles que têm uma visão mais realistas de si mesmo são deprimidos.

Resumindo, a psicoterapia não serve para nada?
Não acredito que tenha muito uso. Não é que eu seja contra psicólogos. Acho que as pessoas devem ir a esses profissionais quando têm um problema, precisam de uma opinião, um conselho. Acho útil. Mas essa psicoterapia clássica, freudiana, que demanda um processo muito longo de autoconhecimento, acho que não tem função. Como a neurociência tem demonstrado, ninguém vai conseguir acessar o seu inconsciente olhando para si mesmo, pensando e falando. Não é assim que a mente opera.

(Roberta Jansen/O Globo)