JC e-mail 4834, de 15 de outubro de 2013
Uma ponte entre a ciência ocidental e a fé oriental
Monges tibetanos fazem aulas de ciência em universidade americana
A teoria quântica nos diz que o mundo é produto de um número infinito de eventos aleatórios. O budismo nos ensina que nada acontece por acaso, aprisionando o universo num ciclo de carma interminável. Conciliar os dois parece tão desafiador como tentar explicar o bóson de Higgs a uma turma de jardim de infância. Mas se alguém tem que fazê-lo, bem que poderia ser o grupo de acadêmicos, tradutores e seis monges tibetanos vestidos com túnicas marrons que podem ser vistos vagando entre as magnólias na Universidade Emory, em Atlanta, nos Estados Unidos.
Eles se juntaram esta semana a Dalai Lama, o líder espiritual do povo tibetano, que decidiu há sete anos que estava na hora de unir a ciência exata do laboratório com a ciência meditativa. Os coordenadores da Emory - que já tinham criado uma relação formal com o estudantes tibetanos - concordaram, e uma parceria inédita se formou.
Para os monges, alguns dos desafios têm sido mundanos, como aprender a gostar de pizza e tentar entender quem é Lord Dooley, um esqueleto mascote da universidade. Para a equipe de professores envolvidos no projeto "Iniciativa Científica Emory-Tibete", existem questões mais amplas, por exemplo como desenvolver métodos para quantificar o poder da meditação numa forma aceita pelo mundo científico. Mas para Dalai Lama, um enérgico senhor de 78 anos que se levanta às 3h30m toda manhã para quatro horas de meditação, seu projeto de estimação é meio acéfalo.
O ensinamento budista oferece educação sobre a mente, disse numa entrevista após o almoço na quinta-feira, na casa de James W. Wagner, presidente da universidade.
- É um material muito rico sobre o que eu chamo de mundo interior - disse Dalai Lama. - A ciência moderna é altamente desenvolvida em questões relativas ao mundo material. Juntos, os mundos externo e interno estão completos.
O primeiro grupo de seis monges, que chegou ao campus em 2010, voltou à Índia, onde grande parte dos tibetanos exilados vivem em comunidade. A universidade paga cerca de US$ 700 mil anualmente ao programa, incluindo taxa de matrícula para os monges, que depois ensinam ciência nos monastérios.
Dezenas de monges e freiras também já tiveram palestras de professores da Emory que viajaram paraDharamsala, na Índia, e 15 livros de ciência foram traduzidos para os estudantes monásticos.
Não tem sido um percurso fácil. Levou até o ano passado para que os líderes budistas aceitassem a educação científica como parte da formação monástica. Foi a primeira grande mudança em 600 anos.
Mas qualquer um que tente realizar uma grande ideia, sabe que o trabalho maior está nos detalhes. As batalhas mais difíceis vinham de coisas aparentemente muito simples, como o léxico. Como criar novas palavras para conceitos como fotossíntese e clone, que não têm equivalentes na linguagem e na cultura tibetana? Como nomear milhares de moléculas e compostos químicos? E o que dizer de palavras como processo, que tem vários níveis de significação para os tibetanos? Até agora, 2.500 novos termos científicos foram adicionados à linguagem tibetana.
- Grande parte do nosso trabalho é fazer com que as novas frases sejam novas o suficiente para que os alunos não as levem para o sentido literal - disse Tsondue Samphel, que coordena a equipe de tradutores. Ainda assim, alguns conceitos são bem fáceis de traduzir.
- Entendemos a impermanência como simplesmente existindo através das nossas tradições - afirmou JampaKhechok, 34 anos, um dos novos monges no campus. - Agora somos desafiados a entender a impermanência através do estudo de como as partículas se deterioram rápido.
O aprendizado tem ocorrido em ambos os sentidos. Professores da universidade têm não raro contemplado a ciência do coração e de mente de novas maneiras. Um estudante que apresentava um relatório sobre o sistema cardiovascular descreveu a reação fisiológica de seu próprio sistema se lhe dissessem que o povo tibetano teria se libertado.
O debate é constante, afirmou Alexander Escobar, da Emory, que foi a Índia ensinar biologia. Monges queriam saber, por exemplo, como ele poderia ter certeza de que a água marinha já tinha coberto o Himalaia. (A reposta? Fósseis).
Acadêmicos ocidentais tiveram que olhar para o seu trabalho com uma nova lente, para assim contemplar questões como a natureza e a origem da consciência. Um dos resultados foi o desenvolvimento do chamado treinamento da cognição baseada na compaixão, um programa secular de meditação para melhorar a empatia.
A parceria teve outras aplicações mais práticas. Linda Hutton, uma assistente social, tem uma longa prática clínica no tratamento de crianças abusadas sexualmente e de suas famílias em Greenville, na Carolina do Sul. Ela dirigiu até Atlanta esta semana para participar de um almoço privado com Dalai Lama, que fazia sua sexta visita à universidade. Ela ensina suas jovens vítimas e suas famílias a praticar a consciência plena e a usar a meditação e a respiração para lidar com o trauma.
- Eu desenvolvi a técnica a partir de muita investigação médica - ela disse. - Mas o que eu encontrei aqui transcende a isso.
(O Globo com Informações do New York Times)