terça-feira, 26 de outubro de 2010

(Ateus) A última minoria, artigo de Fábio Ulhoa Coelho

Via Eco Debate
26.10.2010

Quando Barack Obama, em janeiro de 2009, tomou posse como presidente dos Estados Unidos, a trajetória da luta pelos direitos da minoria registrou evento de simbolismo ímpar – um dos mais importantes cargos do mundo (se não o mais importante) era ocupado, a partir de então, por um negro.

Naquele momento acontecia algo absolutamente impensável há algumas décadas. E acontecia, pode-se dizer, com a naturalidade que devia mesmo caracterizá-lo. Ter-se dado pouca relevância à cor do novo presidente explica-se, exatamente, em razão dos avanços da luta pelos direitos das minorias. A falta de extraordinário destaque a essa particular circunstância revela o amadurecimento da sociedade norte-americana, cerca de meio século depois de deflagrado o movimento pelos direitos civis.

Sendo a assim chamada “raça” da pessoa em tudo irrelevante na avaliação da sua competência como chefe de Estado e de governo, não há mesmo nenhum motivo para dispensar a esse detalhe qualquer atenção desmedida.

A posse de Obama, no entanto, serve também a outra reflexão, igualmente importante para se compreender a trajetória da luta pelos direitos da minoria, para se perceber que, por mais eloquente que tenha sido, naquele momento, o resultado dessa luta, ela ainda não terminou. Há vários exemplos de representantes de outras minorias na chefia de governos e Estados em países democráticos. O gênero da pessoa, há tempos, não tem nenhuma importância na escolha de governantes e até mesmo a orientação sexual não é mais levada em conta em alguns lugares (na Alemanha, por exemplo).

O que demonstrou, na posse de Obama, que a luta pelos direitos da minoria ainda tem chão pela frente foi o acento dado à religião na cerimônia. Além do tradicional juramento com as mãos sobre a Bíblia, abriu-se a palavra à bênção de dois pastores. Sendo os EUA um Estado laico, a reverência dada à questão religiosa no transcorrer do ritual de transmissão da presidência liga-se a um aspecto importante da política: refiro-me ao preconceito contra uma minoria, os ateus.

Esse preconceito habita a política brasileira. É uma história de todos conhecida a tergiversação de Fernando Henrique Cardoso diante da pergunta do jornalista Boris Casoy, num debate entre os postulantes à Prefeitura de São Paulo em 1985, sobre se ele seria ateu. “Se não fosse, é óbvio que teria respondido, de modo direto e claro, à pergunta; se tergiversou, é ateu” – certamente foi isso que pensou algum eleitor. Nos anos seguintes, FHC visitou a Basílica de Nossa Senhora Aparecida no dia da padroeira. Independentemente da crença, ou não, que nutre ou nutria, em Deus, ele tinha de mostrar ao eleitorado que professava uma religião. Continua