sábado, 2 de outubro de 2010

A quem pertence o DNA?

Via bibliotecadiplô
Por Franz Manni
23.06.2008

Transnacionais farmacêuticas, antropólogos, governos e polícias buscam reunir o maior número possível de dados genéticos sobre as populações. Saúde e Ciência podem se tornar pretextos para que algumas empresas controlem a produção de medicamentos inovadores e para invasões de privacidade

DNA Três letras para designar uma substância inquietante, misteriosa e quase imaterial que, contudo, está em cada uma das mais de cem trilhões de células dos nossos organismos. Sem dúvida, trata-se de algo real, dotado de uma massa – cerca de 200 gramas – e de uma forma – a famosa dupla-hélice. É desta concretude que eu parto para afirmar minha percepção européia e individualista sobre o tema, formada no respeito aos princípios da propriedade privada: da mesma maneira que eu poderia, eventualmente, vender meu rim a uma organização ligada ao tráfico de órgãos ou doá-lo para um familiar, o DNA do meu corpo também me pertence.

Entretanto, mesmo que eu optasse por comercializar meu conteúdo genético, não saberia quanto ele vale. Isso porque ignoro completamente o que meu DNA contém. E, ainda que conhecesse sua seqüência, precisaria da ajuda de um especialista para compreender alguma coisa. O mesmo acontece toda vez que nos separamos de um bem quase desconhecido, tal como um livro escrito numa língua estranha ou as bobinas de um filme impossível de ser visto: temos dificuldades em atribuir-lhes valor. Claro, sempre podemos usar o “truque” de um vendedor numa feira de bricabraque, que para não avaliar de maneira distorcida as mercadorias sobre as quais não têm nenhum conhecimento, tenta medir com maior precisão o perfil do comprador. Se este for bem vestido, vier de longe ou estiver acompanhado de um perito, o feirante pode razoavelmente supor que o bem cobiçado tem grande valor, e comprá-lo ou vendê-lo de maneira mais segura. No caso do DNA, as coisas funcionam mais ou menos da mesma forma. Só que os compradores podem ser pesquisadores que se deslocam até lugares remotos do planeta para coletar o código genético de certas populações humanas; ou funcionários de seguradoras norte-americanas, que andam sempre bem vestidos e à procura de uma seqüência portadora de alguma doença prejudicial à saúde financeira da companhia; e até mesmo a polícia, que investe quantias consideráveis na constituição de bancos de dados. Todos são grandes negociantes em potencial.

Podemos pensar que eles estão agindo movidos por um interesse geral, mas nada garante isso. Os geneticistas que solicitam uma amostragem do nosso DNA justificam em geral seu pedido apresentando razões científicas, que englobam as necessidades da pesquisa médica aplicada a patologias supostamente hereditárias. Conhecendo-se os vínculos genealógicos que unem certos indivíduos acometidos de uma mesma doença, pode-se determinar se esta é genética e identificar o fragmento de DNA responsável pelas disfunções. Em tal contexto, o interesse pessoal dos pesquisadores e seu desejo eventual de galgar degraus na carreira parecem irrisórios, se comparados ao bem que farão aos enfermos e à sociedade como um todo, que arca com os custos dos seus tratamentos. Neste caso, é bastante compreensível ceder seu DNA sem receber em troca qualquer compensação financeira. Isso se o geneticista estiver trabalhando para um hospital ou um centro público de pesquisas. Caso ele atue servindo uma companhia privada cujo lucro vem, em parte, das pesquisas médicas, é plausível questionar se a prestação de serviços proporcionada para os doentes e a sociedade será mesmo efetuada de maneira tão desinteressada quanto a doação da amostragem de DNA. Continua


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