Via Revista Ciênc. saúde coletiva vol.15 nº6 Rio de Janeiro set. 2010
Por Delia Catullo Goldfarb
Centro de Pesquisas e Ações em Gerontologia.
dcg@dme.com.br
“As palavras que usamos em relação às pessoas definem o lugar social que lhes é atribuído e definem as relações de dominação. E em nossa sociedade, o lugar da dominação é atribuído aos adultos. As crianças e os adolescentes são os que ainda não ganharam o poder de dominação sobre os outros; os idosos são os que já o perderam. Isso está enraizado na cultura."
Este artigo que gentilmente me foi oferecido para debate é perfeitamente adequado às necessidades atuais no que se refere à elaboração de políticas públicas. Bem escrito, claro, contém um detalhamento sobre as medidas vigentes a respeito da condição de cidadania e direitos humanos da pessoa idosa e oferece uma ferramenta útil para todo interessado no tema. Sendo o conteúdo tão bem apresentado e completo em seus objetivos, tecerei alguns comentários sobre o que o artigo me inspira e mobiliza a partir de meu ponto de vista de psicanalista e gerontóloga que pensa a subjetividade humana e deseja contribuir para uma visão cada vez mais abrangente, tão necessária na hora de se elaborarem políticas públicas.
As autoras falam do subregistro de ocorrências e da falta de monitoramento e orientação para o registro contínuo, padronizado e adequado das informações sobre acidentes e violência e, como bem sabemos, o mesmo acontece quando se trata de violência contra crianças, mulheres, homossexuais, moradores de rua; embora as notificações estejam aumentando, ainda estamos longe do ideal. Isto me fez pensar que haveria algo assim como uma categoria de não cidadãos; de carentes de direitos, categoria da qual parecem formar parte os idosos, especialmente os mais empobrecidos e doentes.
Parece que há alguma coisa na violência que incomoda, a ponto de paralisar a ação de quem deveria oferecer o socorro. Que acontece? Por que fechamos os olhos? Que parte de nós não quer saber o que acontece?
Ao longo da história do pensamento humano, a violência sempre foi um interrogante. É um tema que incomoda, uma realidade da qual ninguém escapa. O tema da violência, de qualquer ponto de vista que o abordemos, é extremamente complexo, e nenhuma ciência ou área do conhecimento pode, por si só, dar conta dessa complexidade, e o pior de tudo é que juntando esforços teóricos podemos apenas explicar uma parte ínfima desse fenômeno; apesar disto, continuaremos longe de evitá-la.
A violência forma parte da condição humana. Todos, por muito pacifistas que sejamos, em algum momento nos descobrimos violentos, nos descobrimos odiando e fazendo, ou ao menos desejando, o mal para alguém. Ou seja, todos somos em maior ou menor medida geradores de algum tipo de violência.
Podemos observar que em todas as sociedades há sempre um segmento que é marginalizado, que é isolado, que representa o que deve ser deixado de fora para garantir a coesão e a união do grupo. É claro o que acontece em qualquer comunidade em caso de "agressão externa"; todo mundo se une ante o externo ameaçador, mas às vezes o externo não é em si mesmo agressivo, mas é agressivo por ser externo, diferente e provocar um certo desequilíbrio, um certo desarranjo na harmonia do grupo.
O externo é o estranho, o estrangeiro, mas não um externo longínquo e desconhecido, porque desse não precisamos ter medo, não precisamos deixá-lo de fora; o estrangeiro é o externo próximo, o vizinho, aquele que por sua diferença nos ameaça e nos questiona. Quando à pobreza, por exemplo, estava confinada a determinados guetos e só a conhecíamos através de índices macroeconômicos; não nos afetava como quando, ao chegar em casa, a vemos dormindo em nossas portas. Assusta porque está próxima demais. Queremos que continue sendo um outro distante, mas é um outro próximo. Essa capacidade violenta do ser humano vai mudando segundo as diferentes épocas históricas, segundo as situações sociais que o sujeito vive, criando-se assim diferentes formas de subjetivação em relação à questão da violência. Por isso, quando Simone de Beauvoir diz que o velho é sempre o outro está falando de algo que está fora de nós, de algo no qual não nos reconhecemos, com quem não nos identificamos, de um estrangeiro de nossas vidas que pretendemos sempre jovens. Nós o colocamos de fora, o marginalizamos.
Continua
Conheça a Revista Ciência & Saúde Coletiva,da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) - vol.15 no.6 Rio de Janeiro set. 2010.
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