sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Uso das águas do rio São Francisco na Paraíba: crônica de um insucesso anunciado, artigo de João Suassuna

Via Eco Debate
22.10.2010


“Quem tem água tem tudo!”….. Será?

No início do mês de outubro, fomos convidados para participar da III Semana de Geografia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), campus de Cajazeiras, proferindo uma conferência sobre a hidrologia do Nordeste seco, com enfoque na transposição do rio São Francisco. Na ocasião, com vistas a conhecermos e avaliarmos melhor o estágio em que se encontra o projeto da transposição na Paraíba, a UFCG nos possibilitou uma visita ao canteiro de obras, localizado no município de São José de Piranhas, distando cerca de 32 km de Cajazeiras.
Nessa visita, fomos acompanhados por representantes do sindicato dos trabalhadores rurais de São José de Piranhas, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e de professores da referida universidade. Nas obras, pudemos verificar o ritmo acelerado em que se encontram, o que nos motivou a refletir sobre as consequências que serão impostas ao ambiente natural do Semiárido paraibano, quando da chegada das águas do São Francisco naquela região.
Inicialmente, procuramos manter contatos com alguns produtores rurais da localidade Curral das Onças, por onde passará o canal do Eixo Norte do projeto, para ouvir deles suas expectativas quanto à chegada das águas nas suas propriedades. O que pudemos constatar foi a existência de unanimidade na expressão “quem tem água tem tudo”. Em nossa opinião, não é bem assim que as questões hídricas devam ser encaradas naquela região, principalmente sendo ela detentora de ambiente natural de notável singularidade no tocante à sua vegetação do tipo caatinga, a sua geologia cristalina e um clima diferenciado, com irregularidade nas chuvas, temperaturas elevadas e evaporação exacerbada. Temos que questionar, sim, esse tipo de assertiva, principalmente partindo de pessoas que não possuem os mínimos conhecimentos técnicos necessários à condução de práticas irrigacionistas, dentro de parâmetros técnicos adequados, notadamente em uma região de geologia e clima extremamente complexos como os ali existentes.
Do jeito que essas questões estão sendo postas pelos agricultores, parece-nos existir uma enorme desinformação, não só sobre o percurso que as águas irão realizar até a chegada na referida localidade, mas, e principalmente, sobre as conseqüências que uma irrigação mal conduzida será capaz de trazer ao ambiente natural da região. No nosso modo de entender, diante das características ambientais e da falta do conhecimento técnico necessário à condução dos sistemas produtivos, isso irá acarretar um enorme fracasso, quando as águas do Velho Chico começarem a chegar àquela localidade e, posteriormente, serem utilizadas na irrigação. Continua