domingo, 19 de dezembro de 2010

Rio de Janeiro e Segurança Pública: ‘Não sei se é fascismo ou farsismo’

Via Correio da Cidadania
Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação
09.12.2010


Após mais uma onda de violência na cidade do Rio de Janeiro, o Brasil se deparou com um espetáculo deprimente de suas mazelas sociais e humanas. Após traficantes desceram ao asfalto, promovendo assaltos e queima de veículos, por razões ainda pouco esclarecidas, novamente a cidade se viu em pânico. Situação inflada pela cobertura espetacularizada da grande mídia, que por sua vez endossa sem parar as políticas fracassadas de mera repressão à ponta pobre do tráfico, isto é, nos morros.

Em entrevista ao Correio da Cidadania, a socióloga Vera Malaguti, secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia (ICC), criticou duramente os governos estadual e federal, especialmente em relação à entrada das forças armadas na questão, de legalidade questionável. "Tudo é ilegal aqui. Estamos vivendo em regime de exceção", afirmou, referindo-se também às violências cometidas contra moradores inocentes das áreas invadidas pelas forças oficiais.

Para ela, tal processo é parte de uma política de ocupação de áreas pobres, idealizada pelos EUA há décadas, que visa também garantir um controle militarizado da vida das pessoas, além de abrir caminho para "os negócios transnacionais e olímpicos".

Malaguti questiona firmemente a política de segurança do governo Cabral, por considerar as UPPs - Unidades de Polícia Pacificadora - e toda a recente operação mais uma ação de marketing, baseada nas mesmas políticas de repressão sem investimento social, amplamente fracassadas.. "Estão ocupando a cidade. Para que fluam os grandes negócios transnacionais e esportivos. Para que as pessoas possam fruir sem serem incomodadas pela nossa pobreza".

A entrevista completa, na qual Vera não poupa nem o ex-secretário Luiz Eduardo Soares ("ele é um pouco responsável pela glorificação do BOPE como solução"), cujas análises foram elogiadas por setores progressistas, pode ser conferida a seguir.


Correio da Cidadania: O apaziguamento do clima de guerra que se instalou no Rio, a partir da colaboração do Exército e da Força Nacional de Segurança na expulsão dos traficantes do Morro do Alemão, levou a um clima de euforia entre a população, seguido pela maior parte da mídia. Como encara, nesse sentido, as ações imediatas que foram tomadas pelo governo nos últimos dias para controlar a crise?

Vera Malaguti: Estranhei muito. Eu penso que a euforia foi fruto de uma campanha midiática. Gosto de falar com base em evidências, mas desde o início considerei muito estranhos os acontecimentos. Comparando com aquela vez em São Paulo, em 2006, quando a cidade parou, na hora em que o governo decidiu mobilizar as forças armadas, ainda se teve uma meia dúzia de carros queimados, mas nenhuma vítima.

Tudo foi engatilhado de um jeito que pareceu muito estranho. Se formos ver a análise da mídia, como a da Folha, que dessa vez foi mais crítica, vê-se que existia uma combinação com a Rede Globo, tanto que na véspera eles anunciavam o ‘Tropa de Elite 3’, e no dia seguinte transmitiram aquilo o dia inteiro.

Diante do que acontecia, creio que a reação foi desproporcional em relação ao ocorrido, e aí não entendemos de fato como foram as coisas. Seriam 600 homens, ou não? As apreensões mostradas também não fazem muito sentido, porque o envolvimento das forças armadas em tais situações é muito questionado no mundo inteiro.

Os EUA, por exemplo, proíbem suas forças armadas de trabalharem como polícia. No entanto, estimulam muito que as forças armadas latinas entrem nesta guerra perdida, como no caso do México, grande exemplo disso.

Desde 94, quando da operação Rio 1, as conversas com o Comando Militar do Leste sempre receberam a recusa das forças armadas brasileiras, por ser algo perigoso. Da mesma forma que a polícia se desmantela nessa guerra sem fim, as forças armadas, que na verdade são responsáveis pela nossa soberania, poderiam passar pelo mesmo. Atirá-las nessa guerra perdida é uma aventura. As forças armadas norte-americanas não entrariam nessa jamais.

Portanto, creio que foi um ato midiático, como tudo que é feito pelo governo do estado do Rio de Janeiro. Só que desta vez o governo federal embarcou na aventura, a meu ver de forma muito irresponsável, correndo o risco de colocar as forças armadas brasileiras num impasse geopolítico. Continua