sábado, 10 de outubro de 2009

Evolução e religião

Via Ciência Hoje - Por Sergio Danilo Pena, geneticista, professor da UFMG




Alegoria do universo heliocêntrico de 1708 por Andreas Cellarius. Há meio milênio, a Igreja Católica precisou se adaptar para adequar sua doutrina ao fato de a Terra não ser o centro do universo. É hora de todas as religiões se adaptarem para aceitar a evolução por seleção natural.



A resistência de alguns grupos religiosos à evolução é um problema que me deixa simultaneamente perplexo e entristecido. Como racionalista de carteirinha e cientista militante, tenho dificuldade em entender essa situação. Como pode um indivíduo pensante desprezar evidências empíricas gritantes e concretas para adotar em seu lugar um pensamento anticientífico, com base apenas em revelações e escrituras milenares de origem obscura que alegam ser de autoria divina?

O que considero necessário não é a ciência da evolução se modificar com o objetivo de se tornar palatável para algumas crenças religiosas. O importante é que as religiões adaptem suas doutrinas para lidar com a realidade da evolução, assim como tiveram de se adaptar à teoria heliocêntrica do Sistema Solar 500 anos atrás.

É absolutamente incontestável o fato da evolução. Não se trata de uma simples teoria da evolução. Dados paleontológicos, geológicos e fisiológicos já forneceram ampla evidência da origem única da vida na Terra e de sua evolução progressiva para formar as milhões de espécies de animais e plantas que aqui habitam. Mas a genômica comparada foi a cereja no topo do sorvete, o elemento que nos deu a prova final da verdade incontestável da evolução.

Evolução comparada
Os dados gerados pelo Projeto Genoma em humanos e em outros organismos mostraram que a sequência de DNA do nosso genoma é 99% idêntica à do chimpanzé (!), além de ter em comum 65% com o camundongo (!!), 47% com a mosca de frutas Drosophila melanogaster (!!!), 20% com uma pequena mostarda chamada Arabidopsis thaliana (!!!!) e até 15% igual à da levedura Saccharomyces cerevisiae (!!!!!), que produz para nós o pão e a cerveja.

Esse alto grau de compartilhamento genômico mostra que toda a biosfera é, como nós, herdeira de um genoma primordial que deu origem ao primeiro ser vivo na Terra, a partir do qual todos os outros derivaram. Não somos o produto final e perfeito da criação, com direito divino de destruir nossos primos animais e plantas a nosso bel-prazer. Somos parte de uma rede de vida e, se esfacelarmos essa rede, destruiremos a nós próprios. A consciência do nosso parentesco genômico com os outros organismos terrestres, da origem única e da herança do DNA que une todos os seres vivos deve nos motivar para tratar o nosso planeta com renovado respeito. Continua