Por Pablo Pereira
07.08.2010
O noticiário brasileiro dos últimos meses é lamentavelmente rico em registros de agressão a mulheres – casos que vão do palavreado ofensivo à máxima brutalidade. A abominável atitude, usada como solução de conflitos de casais, em muitos casos atinge filhos e, pior, não raro acaba em morte.
Uma rápida passada de olhos na história paulistana nos mostra que essa violência, infelizmente, é herança secular na cidade. A leitura dos estudos da historiadora Alzira Lobo de Arruda Campos, aos quais é sempre conveniente voltar quando se pensa no tema, leva o cidadão deste suposto moderno 2010 à dura conclusão: a bestialidade humana não tem limites.
“Além das mãos, usadas para dar bofetadas, murros, unhadas e empuxões, e dos pés para pontapés, coices e ‘esporadas’, os maridos valiam-se de numerosos instrumentos para o castigo de suas mulheres”, escreve a historiadora no livro Casamento e Família em São Paulo Colonial (Paz e Terra, 2003). Ela estudou maços e maços de processos centenários de pedidos de divórcio, autos de crimes de honra e virgindade e outros documentos do Arquivo Público do Estado e da Cúria Metropolitana de São Paulo – entre outras fontes.
Os relatos de Alzira Lobo são chocantes. Impressionam pelos detalhes da crueldade contra as mulheres. E deixam a impressão de uma certa conivência familiar com o absurdo. Aliás, como hoje. “Quase todas as mulheres queixavam-se de ameaças e tentativas de morte”, conta a autora, referindo-se aos depoimentos estudados. No “Processo de divórcio de José da Fonseca Carvão e Câmara e Maria Antônia de Brito” (SP, 1807, Cúria), a agressão relatada é brutal: “(…) pisando-a a coices com as botas e arrastando-a pelos cabelos”. No caso da desavença entre Francisco Antonio Chrispim e Gertrudes Custodia (SP, 1820), os autos contam: “(…) outras vezes lhe tem dado com um chicote e queimando-a com fogo”. É um passado bem presente.
(texto publicado em O Estado de S.Paulo)
fonte