Via Crítica
Por Peter Singer
Universidade de Princeton
07.11.2005
William Clifford, matemático e filósofo britânico do século XIX, escreveu um ensaio sobre a ética da crença que começava com a história de um armador prestes a enviar um navio cheio de emigrantes para o mar. Ele sabia que o navio era velho e precisava de reparações, por isso tinha dúvidas quanto às suas condições de navegação e perguntava-se se deveria suportar a despesa de o consertar e equipar completamente. Mas, ao invés, decidiu depositar a sua confiança na Providência, que dificilmente deixaria de proteger aquelas famílias que abandonavam a sua terra natal em busca de uma melhor vida no estrangeiro. Assim, convenceu-se de que tudo correria bem e assistiu sem apreensões à partida do navio. Quando o navio naufragou, provocando a morte de grande número de pessoas, os seus prejuízos foram cobertos pela companhia de seguros.
O argumento de Clifford é que a sinceridade da crença do armador não o absolve da culpa em relação às vidas perdidas pois, tendo em conta as provas perante si, este não tinha o direito de acreditar que a embarcação estava capaz de seguir viagem. Como afirma Clifford, "ele adquirira a sua crença, não granjeando-a honestamente através de uma investigação paciente, mas abafando as suas dúvidas". Mesmo que o navio estivesse em condições e houvesse concluído em segurança a viagem, isso não significaria que o proprietário estava justificado por tê-lo considerado em condições de navegar. Ainda assim, seria incorrecto permitir que as vidas dos passageiros dependessem da sua fé, e não da prova cabal de que o navio se encontrava em boas condições.
Continua