Memória e aprendizado
O neurocientista Iván Izquierdo fala sobre como armazenamos informações no cérebro e avalia a evolução científica no Brasil
Embora estudos científicos tenham avançado, somos um país no qual a escola ainda não foi apresentada à ciência. Isso traz complicações econômicas, uma vez que todas as nações desenvolvidas no mundo hoje são produtoras de alta tecnologia e, portanto, centros de excelência científica. Este é o alerta de um dos principais cientistas em atividade no Brasil, que, no entanto - e talvez faça sentido neste contexto - não é brasileiro.
O médico neurocientista Iván Antonio Izquierdo nasceu em Buenos Aires, capital argentina, em 1937. Adotou o Brasil para desenvolver estudos científicos a partir de 1973, anos depois de ter se graduado médico e concluído o doutorado em Farmacologia em Buenos Aires. "Eram apenas três ou quatro grupos que desenvolviam neurociência no Brasil àquela época. Hoje já existe uma Sociedade Brasileira para a Neurociência com 4 mil membros, todos produzindo pesquisas", afirma, de sua casa, em Porto Alegre, nesta entrevista por telefone a Carta Capital.
O neurocientista desenvolveu a maior parte de seus estudos no Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, atualmente, coordena estudos na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de Porto Alegre. É reconhecido no mundo todo por seus mais de 500 artigos científicos, e também escreveu 16 livros, a maior parte deles de cunho científico, há também contos e crônicas. Nesta conversa, Izquierdo fala de como funciona a memória e comenta o momento atual da ciência no Brasil.
- O senhor afirma, em seu livro Memória, que sem esquecimento não há memória, que é preciso esquecer para lembrar. Como funciona essa relação?
Funciona de maneira física. Temos muitas células para a memória, que se forma nelas a partir de processos metabólicos. O número de moléculas é finito. Uma vez que se usa essas moléculas de forma exaustiva, esse número terá de se repor. Isso está muito bem definido pelo (escritor argentino) Jorge Luis Borges, no conto Funes, o Memorioso. Nesse conto, Borges fala da história do personagem Funes, que desenvolve uma memória perfeita. Ele era capaz de lembrar um dia inteiro de sua vida, do primeiro ao último segundo - só que, para isso, também levava outro dia inteiro para se lembrar. Borges demonstra por meio do absurdo que, para raciocinar, precisamos esquecer para notar diferenças, classificar as coisas. É impossível pensar sem esquecer um pouco.
- Hoje já não se discute que aprendemos por associação. Para aprender a ler, por exemplo, é preciso adquirir "o gosto pela leitura". Somos capazes de aprender algo que não nos atrai?
A forma ideal de uma criança aprender é tentar estimulá-la por algo que a atraia mesmo. Ela pode aprender, claro, se esforçando para entender algo que não goste, mas é normal do ser humano focar-se no que gosta. É por isso que os professores têm de ter consciência disso e se preparar. Continua
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